A pergunta vem de dona Celeste, vizinha de outros tempos, professora veterana que hoje leva uma vida sereníssima num invejável refúgio na Serra Gaúcha: "Querido professor, aqui estou eu com mais uma daquelas minhas perguntas: como o senhor sabe, minhas netas criaram um perfil nas redes sociais para mim, e eu, burra velha, agora já me sinto mais ou menos à vontade no Facebook, onde aliás somos amigos. No começo estranhava, mas agora sei o que elas querem dizer com lacrar, sextou, mitar e outras novidades. Só empaquei em bolsomínion; reconheço o primeiro morfema como uma redução do nome do Presidente da República, mas não sei o que faz aí esse mínion. Meu dicionário só tem mínio, uma espécie de tinta vermelha, mas é claro que não pode ser isso. O senhor pode me ajudar de novo?".
Mas é claro, dona Celeste. Em primeiro lugar, o seu instinto continua afiado: este mínio do dicionário é um pigmento muito vivo, vermelho-alaranjado, semelhante ao zarcão, muito usado antigamente em ilustrações de manuscritos. Embora hoje esteja fora de moda, deixou filhos: miniar (pintar com mínio) e, surpreendentemente, miniatura, que, apesar da semelhança, nada tem a ver com nosso mínimo ou o moderno prefixo mini-. Na origem, o termo designava apenas ilustrações feita com mínio, especialmente as iluminuras, aquelas pinturas que ornavam as letras capitulares dos manuscritos medievais. Como eram de tamanho reduzido, porém, aconteceu o inevitável: a alquimia popular associou o termo a mínimo e a diminuir, atribuindo a ele o sentido hoje dominante de "objeto de pequenas dimensões".
Já mínion é palavra muito antiga, mas não na nossa língua. No ano em que Cabral chegou ao Brasil, a Inglaterra já usava mínion para designar o favorito de algum poderoso, um "queridinho" (com evidentes conotações sexuais - similar ao Francês mignon). Pouco a pouco, porém, o termo passou a designar um subordinado fiel, um leal seguidor, mas também — já pejorativo — um sequaz, um assecla. O termo entrou no Português trazido por um desenho infantil, Despicable Me (aqui transformado, num passe de mágica traducional, em Meu Malvado Favorito), cujo protagonista, Gru, um vilão bonzinho, tem a seu serviço um exército de mínions, criaturinhas amarelas que só fazem trapalhadas e vivem tagarelando numa linguinha incompreensível (pergunte às netas, que elas lhe darão o serviço completo). Nesta briga de bugio que virou a política nacional, quem usa o termo bolsomínion está fazendo uma crítica explícita aos apoiadores de Bolsonaro, assim como os outros usam petralha para criticar os apoiadores de Lula. Era isso, dona Celeste. Pois então: ouvi dizer que já começaram a colher os figos desta safra e não pude deixar de lembrar daquela chimia com nozes que a senhora me mandou no ano passado…
Ah, outra coisa: para a senhora e para todos os que se interessam pela mitologia clássica, acaba de entrar no ar o meu podcast Noites Gregas, que pode ser acessado em noitesgregas.com.br. Ao longo de quase uma centena de episódios, vou conversar sobre os personagens e as narrativas Grécia antiga, reunindo exemplos e comentários dos autores que mais prezo – Homero, é claro, Ovídio, e mais Heródoto, Plutarco e, evidentemente, o trio de ouro do teatro clássico, Ésquilo, Sófocles e Eurípides, para citar apenas os mais importantes.