Desta vez é o leitor Erno W., de Seberi, que declara sua estranheza diante de uma palavra que desconhecia: "Prezado professor: como deve saber, o doutor Mário Corso, no livro O Lacaniano de Passo Fundo, faz referência ao senhor na crônica intitulada "Oráculo de Delfos". Ao ler o texto, no entanto, estranhei a palavra psi, que não achei no dicionário. Ele escreve: "eu e meus colegas psi não somos guias". Pela frase, deduzo que seja uma forma encurtada de psiquiatra, mas pergunto: é válido usar uma sigla pouco conhecida num livro? Ou psi é palavra mesmo, ainda não dicionarizada?".
Caro Erno, psi não é uma sigla, mas sim o nome da letra grega que começa o vocábulo psique, pai de uma extensa linhagem de derivados. No Grego antigo, o termo psique (ou psiquê, que eu prefiro) abrangia um misto fascinante de significados: a alma, o espírito, o sopro da vida (que um dia vamos expirar...), a mente e, por fim, a borboleta, numa felicíssima metáfora que junta beleza com leveza (desculpe, mas a rima foi inevitável). Deste rio principal saíram dezenas de afluentes, palavras que todo o mundo usa e conhece: psíquico, psicose, psicodélico, psicopata, psicomotricidade, psicotrópico, etc.
O psi empregado por Mário Corso, porém, já é palavra independente, usada mundialmente como uma forma diplomática de englobar toda essa nova gama de especializações que nasceram na esteira das ideias de Freud (psicanálise, psiquiatria, psicologia, psicoterapia e talvez outros). O primeiro a empregá-la parece ter sido o psicanalista francês Daniel Sibony, em 1993, que a usou abundantemente, inclusive no título, de sua obra Le peuple psy —literalmente, "O povo psi". (Digo "parece" porque raramente se tem certeza absoluta sobre essas datações, e eu não ficaria surpreso se deparar, um dia desses, com um exemplo anterior àquele ano).
Você vai encontrar este psi (psy, no Francês e no Espanhol) no nome de vários institutos e centros de estudos. Alguns empregam o próprio símbolo da letra grega; no entanto, como este caractere raramente está à disposição no sistema de fontes dos jornais e das revistas — e como (vamos ser sinceros!) nem todos os leitores reconheceriam aquele símbolo, se o vissem −, a maioria prefere usar o nome da letra como palavra (assim como falamos em cão alfa ou em versão beta de um software).
Por sua vez, Claritza R., de Ponta Grossa, Paraná, está em dúvida sobre a pronúncia do nome Davos, onde se realiza agora o Fórum Econômico Mundial. "Eu sempre disse /dávos/, mas só ouço jornalistas dizendo /davôs/. Socorro, professor! O que o senhor diz sobre isso?".
Digo, Claritza, que cada um faz aqui o que prefere, dependendo da lógica que resolve seguir. Na pronúncia de nomes geográficos estrangeiros, o costume é usar (por escrito) os nomes como eles são lá fora, mas pronunciá-los à nossa moda. Para os brasileiros, Arkansas rima com "danças", embora os nativos de lá digam algo que soa como /arkansó/; Yorkshire, a região inglesa de onde provém o cusquinho homônimo, autodenomina-se de /iorkshier/, mas só ouvimos por aqui /iorkshaire/. Há muito se discute esse problema da pronúncia de topônimos estrangeiros, porque exigiria a fluência em dezenas de línguas estrangeiras e desembocaria na questão de decidir se tem alguma importância, para nós, a maneira como os habitantes de uma aldeia da Polônia ou da Noruega pronunciam o nome de sua terra natal. Quem quiser seguir a pronúncia de origem, vai pronunciar Davos como /davôs/ − eu prefiro /dávos/ mesmo, à brasileira. Eça de Queirós não dava a mínima para isso, assim como ainda hoje fazem os franceses, que, com todo aquele charme, falam do /riô/, do /amazonás/, de /chicagô/, do /texás/, ao se referirem ao Rio, ao Amazonas, a Chicago e ao Texas.