Escrevo esta coluna em Siracusa, depois de ter passado uma tarde inteira, sob o intenso sol da Sicília, visitando o Vale dos Templos em Agrigento – um magnífico parque de 1.300 hectares que reúne quase uma dezena de templos gregos, erigidos entre 510 e 430 antes de Cristo. Interessado em estudar o que o homem fez no local, extraindo da pedra aquelas construções incomparáveis, nunca tinha prestado atenção à vegetação que ali nasceu, corajosa, atenuando a secura da rocha com sua sombra e seu verdor.
Primeiro, entre as frestas e os interstícios das pedras, vi que brotavam aqui e ali as folhas verdes da nossa preciosa alcaparra (nascidas das sementes que os lagartinhos que abundam no parque levaram para suas tocas). Em seguida, fui apresentado a uma árvore que há muito eu queria conhecer: a alfarroba, uma velha curiosidade minha, porque os antigos, acreditando ingenuamente que todas as sementes desta árvore tinham o mesmo peso, usaram-nas por séculos como medida para avaliar as pedras preciosas: cada semente corresponderia a um quilate (termo que veio do Grego keration, justamente "semente de alfarrobeira").
Em ambas as palavras, esse "AL" do início denuncia a sua origem árabe (al-kabbár e al-harruba), respectivamente. Muitos vocábulos que ingressaram em nosso idioma durante a ocupação da Península Ibérica pelo Islã iniciam dessa forma porque al (ou a) era o artigo árabe usado antes dos substantivos (almofada, açúcar, algodão, arroz, azeite, etc.); sem ter consciência de sua natureza de artigo, nossos antepassados simplesmente incorporaram essa partícula às palavras que ouviam. Um exemplo conhecido de todos é o Corão, que disputa com Alcorão a preferência dos falantes do Português.
Pois este me pareceu o momento adequado para responder à dúvida de Nayr G., leitora de Joinville que estava esperando na fila há algum tempo: "Professor, só ouço falar nas propriedades da cerola, mas não consigo mais informações sobre essa fruta. O senhor sabe onde encontrar?". Sei, sim, minha cara Nayr: basta procurar acerola no dicionário – aquele A faz parte da palavra. Eu explico: como deves ter lido acima, muitas vezes os falantes têm dificuldade em determinar se estão diante de um vocábulo ou de uma sequência de dois –isto é, em decidir o que é junto ou separado. Se tens filhos ou netos, já deves saber como os pequenos costumam fazer essas segmentações defeituosas, como (exemplo clássico) em umbigo, quando falam no "meu bigo", por entenderem que o um é apenas o artigo.
O terreno é lamacento e pode-se escorregar para um lado ou para o outro, ora juntando o que são coisas distintas, ora separando o que deveria ficar junto, como fizeste. Os mesmos avozinhos da Península Ibérica, se erraram em juntar o artigo às palavras árabes, erraram também em separar o que não deviam: o Grego horológion ("o que diz a hora") entrou no Francês como horloge e no Italiano como orologio, mas como relógio em nossa língua, que suprimiu a vogal inicial talvez por confundi-la com o artigo. Com bispo aconteceu a mesma coisa: por um ou dois séculos chegamos a empregar obispo, idêntico ao Espanhol, mas o uso terminou podando a vogalzinha suspeita. Como vês, podes ficar tranquila: teu equívoco é totalmente desculpável.