Recebo de meu estimado amigo Sérgio da Costa Franco, cujo nome por si só já basta para honrar esta coluna, uma deliciosa peça de seu baú de guardados: “Gosto de reler livros esquecidos ou remexer os arquivos do computador, onde guardei coisas interessantes. Um destes arquivos é matéria que eu pretendia comentar numa crônica, que nunca saiu da condição de projeto. Trata-se dos Provérbios da Língua Portuguesa, de um certo P. Perestrelo da Câmara, editado em 1847.
O achado me seduziu, por flagrar a antiguidade desses ditados, que eu conhecia quase todos, empregados na vida diária, por minha mãe ou outros, e que eu mesmo costumava usar”.
A mensagem trazia, à guisa de degustação, uma lista de exemplos sortidos, onde reencontrei alguns velhos amigos da infância: “Cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso” (olha aí o multiculturalismo avant la lettre!); “Do couro lhe sairão as correias” (o limite inevitável de qualquer orçamento); “Louvor em boca própria é vitupério” (princípio assaz esquecido neste reino do autoelogio) – e também “Cria o corvo que ele te arrancará o olho”, “Enquanto o pau vai e vem folgam as costas” e muitos outros com que meus pais e meus avós recheavam a conversação diária.
Posso ver nas palavras do amigo a mesma indisfarçável nostalgia que senti ao rever esses adágios que ficaram praticamente sepultadas pelo tempo. Ninguém mais os estuda. Dominada pela delírio de formar um “novo homem”, a escola moderna fez questão de aposentá-los, vendo neles (há autores que afirmam textualmente estas asneiras) mais “uma forma reacionária de pensamento”, com “conceitos estereotipados destinados à manutenção do statu quo” – incluindo neste pacote suicida a leitura dos clássicos, a busca da fluência na língua culta, o estudo do legado cultural greco-romano e judaico-cristão – em suma, todo esse enraizamento indispensável que a escola deveria nos proporcionar.
É claro que alguns provérbios sobre a relação entre o homem e a mulher, por exemplo, trazem ideias ultrapassadas, mas mesmo assim têm valor para a história das mentalidades; os demais, porém, continuam atuais, pois incidem, como diz Jean Lauand, sobre “o núcleo permanente, atemporal da realidade humana”. Segundo ele, os provérbios comprovam que o homem, no fundo, é o mesmo e que a crítica ao egoísmo, à avareza, à inveja, ou o elogio da generosidade, da grandeza ou da solidariedade “são fatos constantes em todas as culturas”.
Além disso, não se pode acusar de imobilismo esta rede riquíssima que contempla, inclusive, mensagens contraditórias: “Longe dos olhos, perto do coração” ou “O que os olhos não veem, o coração não sente”? “Ninguém é velho demais para aprender” ou “Burro velho não aprende”? “Seguro morreu de velho” ou “Quem não arrisca não petisca”? A escolha é livre, já que todas hão de servir para alguma situação. A inovação também se dá com os antiprovérbios, paródias que ironizam provérbios já consagrados: “Devo, não pago; nego enquanto puder”; “Há males que vêm para pior”; “De onde menos se espera, daí é que não sai nada” (do Barão de Itararé).
Outra consequência desse descaso com os provérbios foi o esquecimento de seu significado. Campeiam na internet várias “releituras” em que idiotas pró-ativos tiram, das unhas dos pés, a interpretação “verdadeira”. Dizia um desses animais: “Eu entendia errado “Quem tem boca vai a Roma” Pensava que quem sabia se comunicar iria a qualquer lugar, mas o correto é “Quem tem boca vaia Roma” (isso mesmo: do verbo vaiar)”. Puxa, que surpresa! E o que vamos dizer aos franceses (“Qui langue a, à Rome va”), aos espanhóis (“Preguntando se va a Roma”) e aos italianos (“Chi lingua ha, a Roma va”)?