Entre muitas outras coisas, a vida de professor nos ensina que nenhuma pergunta é óbvia para quem a faz. Aliás, essa é a nossa principal tarefa: a partir da dúvida do aluno, descobrir qual o fiozinho que está desligado, isto é, qual é a informação que está faltando para que ele volte, pelas próprias pernas, para o caminho certo. Até mesmo o dicionário, que era inocentemente chamado de amansa-burro (expressão que hoje pode desagradar tanto às pedagogas quanto às defensoras dos animais) – até mesmo o dicionário, repito, que parece tão sólido e oracular, vai desapontar o usuário que não souber apertar os botões corretos. Abaixo vão alguns exemplos.
A leitora Cássia A. escreve: "Sei que a palavra noz possui os diminutivos irregulares núcula e nucela; gostaria de saber se ela possui também o diminutivo regular nozinha, que não está no dicionário". Não está porque não precisa, Cássia. Qualquer substantivo ou adjetivo pode formar, se quisermos, um diminutivo em -inho ou em -zinho. Se voz tem vozinha, luz tem luzinha, noz pode ter nozinha (aliás, usamos muito, aqui em casa, no Natal). Por medida de economia, os dicionários registram só os diminutivos e os aumentativos irregulares: chorinho, de choro, é indispensável por causa da música; folhinha, de folha, por causa do calendário; macacão, por causa do traje - e assim por diante.
A mesma explicação, aliás, serve para a leitora Belisa F., de Macapá, que informa não ter encontrado em lugar algum a explicação da palavra inextricavelmente: basta procurar inextricável. Qualquer adjetivo pode, com o acréscimo de -mente, produzir um advérbio, e por isso, os dicionários só registram aqueles que fogem ao significado original (como redondamente, por exemplo, em "redondamente enganado"). E aqui vai um caveat para ambas, Cássia e Elisa: esta é a maior desvantagem do dicionário eletrônico: na edição em papel, ao procurar inextricavelmente, o usuário vai deparar com inextricável, e aí mais de meio caminho já estará andado. Na edição eletrônica, porém, vai receber apenas a chocha mensagem de "verbete inexistente".
João Carlos C., de São Paulo, tem dúvida sobre a pronúncia do "X" no nome do filósofo grego Anaxágoras, enquanto Carlos R. Júnior, de Porto Alegre, precisa saber se a grafia correta é Groenlândia ou Groelândia. O problema é o mesmo, e mesma é a solução: nossos dicionários, ao contrário dos dicionários ingleses, não incluem nomes próprios, mas sempre podemos encontrar algum substantivo ou adjetivo derivados que nos deem a informação procurada. O dicionário Houaiss, nos verbetes anaxagoriano e anaxagórico, recomenda pronúncia /cs/ e define groenlandês como "aquele que é natural ou habitante da Groenlândia". Está respondido.
Javier S., de Montevidéu, quer saber por que os dicionários não indicam se incesto e dolo têm a pronúncia aberta ou fechada. Caro Javier: eles indicam, sim. É uma velha convenção: quando o dicionário deixa de indicar o timbre da vogal, é porque a considera aberta. Em porto, cedo e lagosta, há a indicação, entre parênteses, de que a vogal é fechada — mas nada consta em verbetes como porta, credo e, da mesma forma, incesto e dolo.
Finalmente, Misael P., de Recife, escreve para dizer que não encontra o significado de boxo e boxa que aparecem num poema de Drummond: "Hoje sou moço moderno,/ remo, pulo, danço, boxo,/ tenho dinheiro no banco./ Você é uma loura notável,/ boxa, dança, pula, rema". Ora, prezado Misael, o velho Drummond está usando o verbo boxar (variante de boxear) – e os lexicógrafos só registram os verbos no infinitivo. Aqui um dicionário eletrônico ganha mil pontos sobre seus colegas impressos: ao consultarmos o verbete de um verbo, podemos abrir, a um simples clique, uma janela contendo sua conjugação completinha.