Num mundo em que Baby Consuelo sente-se à vontade para anunciar o apocalipse do alto de um trio elétrico, em pleno Carnaval da Bahia, e um grupo de senhores reunidos em Brasília considera absolutamente natural tramar um golpe de Estado para proteger a democracia, dá para entender por que a gíria “delulu” caiu no gosto da gurizada. Yes, nós temos bananas.
Delulu vem de “delusional” (delirante, em inglês). A expressão começou a ser usada no ambiente da cultura K-pop para descrever aquele tipo de fã meio sem noção que se convence de que tem uma relação pessoal com o ídolo (mais ou menos como a Ísis de Oliveira quando anunciou que estava namorando o George Clooney, lembram?).
Aos poucos, o sentido do termo foi deslizando para outros contextos em que o excesso de otimismo e a romantização da própria vida beiram o delírio. Delulu é quem mergulha no pensamento mágico sem culpa, na onda de que você deve “manifestar” para o Universo aquilo que deseja para que seus sonhos se tornem realidade. A menina que quer ser cantora posta vídeos como se estivesse gravando um clipe de verdade – na esperança de ficar famosa porque faz de conta que é famosa. O garoto que trabalha como motorista de aplicativo narra sua rotina no trânsito como se fosse um piloto de Fórmula 1. “Delulu é a solulu”, garante o TikTok.
Casos de anônimos que ganharam na loteria do pensamento positivo nas redes sociais realmente não faltam. Um dos mais impressionantes que eu conheço é o do Casal Maloka (@casalmaloka013), de Santos, no litoral paulista. Há alguns meses, Douglas e Gabrielly criaram um perfil no Instagram para mostrar a rotina de quem mora na rua – sem glamour, claro, mas com muito carisma e bom humor. Em pouco tempo, tinham mais de 2 milhões de seguidores, uma casa para morar, o próprio negócio e um par de dentaduras novas. Se não tivessem sido um pouco delulus no início, nunca teriam conquistado a simpatia de tanta gente. Delulu foi a solulu deles.
Para quem se sente inseguro no presente (em casa, no trabalho, no mundo…) e menos confiante ainda em relação ao futuro, assumir o lado “delulu” da existência talvez seja um jeito de desafiar o pessimismo dominante, reivindicando o direito de morar em sua própria realidade paralela – nem que seja só de vez em quando, para postar no Instagram.
O problema não é tanto o que se acredita ou deixa de acreditar, mas aquilo que algumas pessoas são capazes de fazer para obrigar as outras a aceitarem seu delírio como se fosse a única realidade possível.