Vida de escritor não é fácil. Mesmo quando eles se esforçam para disfarçar qualquer inspiração em fatos e pessoas reais, sempre pode aparecer uma criatura indignada porque o autor roubou um pedaço da sua vida para colorir uma história. Imaginem o vespeiro em que se metem aqueles que não apenas não disfarçam nada como usam nome e sobrenome de parentes e amigos.
Karl Ove Knausgard e Emmanuel Carrère, dois dos melhores autores de autoficção do momento, já enfrentaram problemas com pessoas próximas retratadas em seus livros. Carrère foi obrigado a cortar parte do romance Yoga (2020) depois que a ex-mulher o acusou de desrespeitar um acordo que proibia o escritor de contar detalhes da vida dos dois. Knausgard foi processado por um tio e também andou brigando com a ex-mulher.
Truman Capote (1924-1984) é uma espécie de santo padroeiro da enorme legião de autoficcionistas do século 21. A Sangue Frio (1966), o "romance de não ficção" que projetou seu nome, conta a história real do assassinato de uma família com uma boa dose de imaginação envolvida. Como nem as vítimas nem os criminosos estavam vivos quando o livro foi publicado, as chances de alguém reclamar eram reduzidas.
Ainda em 1966, no auge da repercussão de A Sangue Frio, o escritor assinou um contrato para escrever aquela que deveria ser sua obra-prima: Answered Prayers ("preces atendidas"), um romance sobre a alta sociedade nova-iorquina recheado de detalhes saborosos recolhidos ao longo de anos de convivência com algumas das mulheres mais poderosas da cidade. Capote apelidou suas amigas socialites de "Swans" ("cisnes") — porque, segundo ele, elas tinham que nadar muito para manter a pose e a imagem de perfeição. Era uma relação proveitosa para todo mundo.
O escritor vivia cercado de luxo, bons uísques e algum carinho. As Swans desfrutavam da companhia de um homem culto, divertido e que as tratava como rainhas (ao contrário dos próprios maridos).
Tudo ia bem até um trecho do futuro romance ser publicado na Esquire, em 1975. Entre observações agudas e futricas, Capote não poupava do esculacho nem mesmo os seus preciosos cisnes dourados.
A camaradagem transformou-se imediatamente em guerra declarada, e o escritor acabou perdendo as amigas e as mordomias. Terminou seus dias amargurado, sem conseguir concluir o romance.
Com um dream team de divas cinquentonas interpretando as Swans (Naomi Watts, Diane Lane, Chloe Sevigny, Calista Flockhart, Demi Moore e Molly Ringwald) e Tom Hollander como o autor que caiu em desgraça, a série Feud: Capote vs The Swans narra o pesadelo de todo escritor que mistura perigosamente fato e ficção: ser amaldiçoado e perseguido pelos próprios personagens.