Você entra no restaurante que encontrou no Yelp, escolhe um lugar para sentar guiado por uma foto que viu no Instagram e o garçom imediatamente lhe serve um drinque e uma entradinha que ele mesmo selecionou no cardápio. Alguns minutos depois chega a comida, que você também não teve o trabalho de escolher, mas, vá lá, está com uma cara muito boa mesmo. Pode servir.
Na primeira vez, parece um pouco esquisito (“muito Black Mirror!”, você comenta consigo mesmo), mas logo se acostuma com a mordomia. Agora todos os garçons de todos os restaurantes que você frequenta sabem que você tem alergia a frutos do mar e detesta quiabo. Sabem até quando você decide diminuir a bebida e começa a testar a dieta da moda do TikTok. Nem sua mãe está tão interessada no que você come ou deixa de comer (“come o que tem!” era o aperitivo de todas as refeições na sua infância).
Ainda não existem restaurantes totalmente comandados por um algoritmo (embora a ideia nem seja tão absurda assim), mas a terceirização das nossas escolhas já funciona a pleno vapor nas recomendações das plataformas de filmes, livros e música, nos vídeos que o TikTok e o YouTube nos mostram, nas histórias que a gente lê nas redes sociais com mais frequência, nas notícias que aparecem na nossa timeline. A Netflix, por exemplo, sempre me oferece a categoria “filmes sombrios”, mas esconde as séries sobre crimes violentos (aparentemente, crimes violentos não são sombrios o suficiente pra mim). Já o Spotify me encaixa no perfil musical “brasileirinha baixo astral”, seja lá o que isso significa, enquanto o Instagram me empurra fotos de gatinhos, reportagens sobre menopausa e 250 clipes da entrevista da Fernanda Torres para o Roda Viva. Quem o algoritmo pensa que eu sou? Quem eu penso que sou?
Filterworld: How Algorithms Flattened Culture (algo como “Mundo filtrado: como os algoritmos achataram a cultura”), do jornalista cultural Kyle Chayka, tenta entender como essa curadoria customizada das plataformas anda afetando não apenas a forma como nos relacionamos com a arte, mas também o que os artistas, cada vez mais pautados pelo que gera “engajamento” no público, andam produzindo. Para Chayka, estamos nos tornando consumidores passivos de um cardápio criado não para ampliar nossa visão de mundo, mas para reforçar nossas idiossincrasias – mais ou menos como aquele sujeito que senta no restaurante e aceita, sem questionar muito, a sugestão do garçom que parece conhecer todos os seus hábitos e até seu estado de ânimo.
Quando bate a saudade de percorrer um cardápio totalmente desconhecido, com aquela sublime esperança de ser surpreendido por algo tão magnífico quanto inesperado, basta selecionar a opção “filmes sem filtro” na Netflix – e torcer para funcionar.