Na rua, no metrô, no elevador de um edifício aleatório, na mesa ao lado no restaurante, tem sempre um brasileiro por perto. Por mais corriqueiros que sejam esses encontros em uma cidade do tamanho de Nova York, é sempre esquisito perder a capa da invisibilidade do idioma estrangeiro por alguns instantes. Se você está distraído, talvez até falando alto na mesma língua, fica matutando se não disse algo que pudesse escandalizar o compatriota (quem nunca?). Se está sozinho, não sabe se liga o alerta “falamos português” ou permanece em silêncio, sustentando a cara de desentendido diante de qualquer tipo de assunto que venha a surgir na sua frente – o que nem sempre é fácil.
Ser surpreendido por uma canção brasileira em um local público também provoca sobressalto, mas de outro tipo. Viajantes naturais do Uzbequistão ou de Papua-Nova Guiné talvez não conheçam a experiência de ouvir, com certa frequência, a música do seu país sendo usada como trilha sonora em lojas, consultórios médicos, salões de beleza. Brasileiros, claro, estão acostumados. Do saxofonista amador tocando Garota de Ipanema na estação de metrô ao artista consagrado apresentando-se no Carnegie Hall, todo mundo sabe que música brasileira dá samba.
Longe de casa, a sonoridade familiar de uma canção ganha uma camada extra de significado e beleza. Não é apenas a saudade do idioma, do ritmo ou da poesia que emociona. É como se a distância rompesse a barreira do hábito, apurando nossa atenção para o excepcional ecossistema sonoro em que fomos formados. Não precisa lua nem conhaque para ficar comovido como o diabo. Basta um Tom.
Uma exposição em cartaz até março no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, explora a ligação visceral dos brasileiros com a música. Com curadoria de Carlos Nader e Hermano Vianna, a mostra Essa Nossa Canção convida os visitantes a abrirem os ouvidos e o coração para o extraordinário repertório de memórias musicais que brasileiros de todas as idades, classes sociais e regiões compartilham. Não importa que alguns gostem de bossa nova e outros prefiram sertanejo, rap, MPB, milonga. Quando ronca a cuíca, o brasileiro sabe quem é – e sente orgulho.
•••
Quem, como eu, não vai conseguir visitar a exposição, pode aproveitar dois aperitivos online. No Spotify, a playlist Museu da Língua Portuguesa dá um gostinho da seleção musical presente na mostra. Na página do YouTube do museu, está rolando um curso sobre música brasileira com aulas de José Miguel Wisnik (31 de agosto), Luiz Tatit (14 de setembro) e Rafael Galante (21 de setembro).