Planetário da UFRGS, 1973. Minha primeira experiência de assombro tecnológico talvez não tivesse sido tão assombrosa se eu soubesse, na época, como funcionam os planetários. Foi como assistir a um show de mágica acreditando sem filtros em todos os truques do prestidigitador. Quando as luzes se apagaram e o céu se abriu sobre a plateia, eram os astros de verdade que eu imaginava estar observando – não uma projeção. Zero em ciências, 10 em maravilhamento.
Nova York, 2023. Como uma estrela já extinta de uma galáxia distante, o compositor Ryuichi Sakamoto (1952-2023) ainda brilha no espetáculo Kagami (“espelho”, em japonês), em cartaz até o início de julho. Comprei ingresso para o que estava sendo anunciado como “uma apresentação de realidade mista nunca antes experimentada”, sabendo tanto sobre a nova tecnologia quanto eu sabia sobre projetores planetários há 50 anos. Minha única certeza era que a música transcendente de Sakamoto valia a aposta. Poderia ser uma experiência interessante – ou uma grande roubada.
Hologramas não são novidade na milionária indústria do entretenimento póstumo. Elvis Presley, Michael Jackson e Maria Callas, entre outros, já foram convocados a estrelar performances holográficas, mais ou menos bem-sucedidas. Kagami dá um passo adiante. Primeiro porque a tal realidade mista permite maior interação entre os mundos físico e digital. (Usando óculos especiais, o espectador podia caminhar em torno do pianista, como se estivesse sozinho com ele no palco.) Segundo, e mais importante, porque o próprio Sakamoto participou da concepção do espetáculo – ao contrário de artistas que, ao saírem de cena, nem sequer imaginavam a agitada sobrevida digital que os aguardava no porvir.
Na semana passada, Paul McCartney anunciou que “a última gravação dos Beatles” será lançada até o fim do ano. Trata-se de uma canção inacabada de John Lennon, extraída de uma fita demo com ajuda da inteligência artificial e finalizada por seu velho parceiro musical. Neste instante, fãs do mundo inteiro devem estar se perguntando quando será anunciada a primeira turnê mundial dos Beatles em versão espectral.
As possibilidades abertas por novas tecnologias parecem infinitas, mas a capacidade de se sentir movido por uma obra de arte continua dependendo de fatores demasiado humanos. No meu caso, assistir ao concerto de um pianista que já morreu, usando um óculos que apaga todas as pessoas em volta, exigiu um grande esforço de concentração. Foi como assistir a um show de prestidigitação sabendo que tudo no palco é truque. É preciso esquecer o que se sabe e entregar-se ao que se sente para que a mágica finalmente aconteça. Ou não.