Os alertas começaram na terça-feira: a fumaça de centenas de incêndios florestais descontrolados no Canadá estava chegando à costa leste dos Estados Unidos. Nova York deveria se preparar para uma semana de céu encoberto e qualidade de ar ruim. Registrei a informação, mas não refleti muito a respeito.
Acordei mais cedo do que o normal na quarta-feira. Tão cedo que ainda consegui ver o reflexo do sol nas águas do East River projetado nas janelas do edifício ao lado do meu. O dia ia ser bonito. Pensei que deveria acordar sempre naquele horário, especialmente agora que as manhãs começam a ficar mais longas e ensolaradas.
Meu pequeno idílio matutino durou menos do que a xícara de café. Quando o sol começou a desaparecer por trás de uma neblina acinzentada, me lembrei dos avisos sobre os incêndios no Canadá. Gradualmente e depois de repente, como a bancarrota de um personagem de Hemingway, uma névoa laranja-apocalipse começou a borrar os contornos da paisagem. Às duas da tarde, o céu estava escuro.
Ao longo do dia, como muitos dos meus vizinhos mais precavidos, resgatei máscaras do fundo do armário, encomendei um purificador de ar e passei a monitorar as cores do AQI (Air Quality Index) no placar do site Airnow.gov. Em um índice que vai do verde (ar puro das montanhas) ao marrom (bem-vindos ao inferno), Nova York passou boa parte da quarta-feira estacionada no extremo negativo. (No momento em que escrevo, estamos de volta à bandeira verde.)
Enquanto alguns se preocupavam em fechar janelas e purificar o ar dentro de casa, outros se esforçavam em poluir ainda mais o debate público. Para alguns comentaristas da extrema direita, o fumacê sobre Nova York não era motivo para alarme. Sim, já vimos esse filme e sabemos como termina. Infelizmente, opiniões aleatórias extraídas do poço sem fundo do negacionismo não apagam incêndios nem evitam que a fumaça chegue ao seu pulmão.
Em 2015, o historiador Stephen J. Pyne cunhou o termo “piroceno” para designar uma nova era em que grandes incêndios serão mais frequentes, mais intensos e mais difíceis de controlar. Para muitos pesquisadores, o que aconteceu por aqui na semana passada é apenas uma amostra – impossível de ignorar, em se tratando de Nova York – do que o planeta deve enfrentar nos próximos anos. “Estamos passando por uma mudança de regime global e muita coisa vai pegar fogo. É uma nova era, e acontece de estarmos vivos para assistir”, disse John Vaillant, autor do livro Fire Weather: A True Story from a Hotter World, em uma entrevista ao jornal The Guardian na semana passada.
Com as duas patas no atraso e a cabeça enfiada no bolso, o Congresso brasileiro parece estar decidido a torcer pelo fogo.