O mais famoso discurso de formatura não é um discurso de formatura nem pertence ao autor ao qual costuma ser atribuído. Originalmente publicado no jornal Chicago Tribune, em 1997, o texto que viralizou no final dos anos 1990 não foi escrito pelo escritor Kurt Vonnegut, como muitos acreditam, nem por Pedro Bial, que gravou um CD com a versão brasileira em 2003 (“Se pudesse dar só uma dica sobre o futuro, seria esta: usem filtro solar”), mas pela jornalista Mary Schmich.
Kurt Vonnegut (1922–2007), autor do clássico Matadouro 5, nunca aconselhou formandos a usarem filtro solar, mas seus discursos de formatura eram tão memoráveis que podem ser considerados uma espécie de subgênero em sua obra. Onze deles foram reunidos no livro If This Isn’t Nice, What Is?, título extraído de uma das muitas histórias que Vonnegut costumava narrar aos seus ouvintes: “Meu tio Alex, que está no céu agora, dizia que um dos maiores problemas dos seres humanos é que eles raramente notam quando estão felizes. Se a gente estava bebendo uma limonada gelada no verão, tio Alex interrompia a conversa para dizer: ‘Se isso não é bom, o que é?’”.
Se autores como Vonnegut, líderes como Barack Obama e até a cantora Taylor Swift, no auge da fama, aceitam falar em cerimônias nem sempre muito divertidas para dar conselhos a jovens que eles nem sequer conhecem, é porque os americanos levam muito a sério os discursos de formatura. Em sua pior forma, trata-se de um amontoado de clichês sobre o sentido da vida e a glória de conquistar um diploma. Nas versões mais notáveis, podem ser comoventes, provocantes e inspiradores – tudo ao mesmo tempo.
Durante as duas cerimônias de formatura da minha filha no curso de Direito da Universidade de Nova York (NYU), na semana passada, tive a sorte de assistir a dois discursos que se enquadram na segunda categoria. O primeiro foi o da primeira-ministra da Finlândia, Sanna Marin, dirigindo-se aos formandos de toda a universidade. O segundo, no dia seguinte, foi da advogada Sherrilyn Ifill, especializada em direitos civis, na cerimônia do curso de Direito. Nenhuma das duas ousou restringir-se ao tom “use filtro solar” de conselhos edificantes.
Falando para uma turma de alunos que enfrentou pandemia, invasão do Congresso, suspensão da decisão que garantia o direito ao aborto e agora contempla a possibilidade de ver Trump disputando um segundo mandato (se isso não é uma desgraça, o que é?), Marin e Ifill fizeram praticamente o mesmo diagnóstico do contexto atual: a democracia está em risco. E sugeriram um único e árduo caminho para quem não está satisfeito: agir. E logo.