Em 2023, o boneco de madeira mais famoso do mundo completa 140 anos de malandragem. As Aventuras de Pinóquio, de Carlo Collodi (1826 - 1890), diverte ao mesmo tempo em que aborda temas como responsabilidade e imprudência, egoísmo e solidariedade, obediência e insubordinação. Adultos e crianças, de todas as épocas, sempre se identificaram com o personagem. Como Pinóquio, somos todos talhados para a imperfeição.
No cinema, além da clássica versão da Disney de 1940, existem mais de 50 adaptações (Pinóquio no espaço, Pinóquio futurista, Pinóquio para maiores…). No ano passado, três novas versões foram lançadas: um remake em live-action do filme da Disney (Disney+), um desenho animado russo e uma animação em stop-motion dirigida por Guillermo del Toro (Netflix) – que de tão bonita ganhou uma exposição no MoMA.
Não chega a ser surpreendente que um personagem que ficou associado à mentira (principalmente depois da versão da Disney) esteja em alta em tempos de fake news e pós-verdade. Vale para Hamlet, Pinóquio e até para personagens reais como Sissi, a Imperatriz (que volta aos cinemas este ano, em versão nada virginal, no filme Corsage): cada época recria os enredos clássicos a sua imagem e semelhança.
A versão de Guillermo del Toro, a mais ambiciosa e espetacular das três que estrearam no ano passado, toma várias liberdades em relação à trama original de Collodi, inclusive a de situar a história do boneco que está aprendendo a ser gente e a pensar nos outros em meio à eclosão do fascismo. Além de retratar Mussolini como um anão moral que não tolera piadas, o filme sugere que o fetiche do fascismo pelas armas, pela guerra, pelos slogans vazios e pelas patriotadas é a pior e mais perigosa forma de mentira que existe.
Em outros tempos, a aula de História contrabandeada para dentro de um conto infantil talvez soasse deslocada ou excessiva, mas levando-se em conta que a Itália de Collodi acaba de eleger uma primeira-ministra simpática ao fascismo, a conversa soa não apenas oportuna, mas necessária.
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Há alguns anos, o jornal Washington Post instituiu o índice “Pinóquio” para medir o nível de hipocrisia dos políticos: 1 Pinóquio para quem exagera os próprios méritos no currículo, 10 Pinóquios para quem inventa mentiras sobre vacinas – e assim por diante. Nesse índice, o americano filho de brasileiros George Santos, eleito deputado por Nova York em novembro, conseguiu superar (pelo menos em criatividade) seus dois maiores ídolos: Jair Bolsonaro e Donald Trump. Santos mentiu sobre tudo – até sobre a morte da mãe. Se continuar assim, é capaz de acabar na Casa Branca.
Haja grilo falante para tanta cara de pau.