No recanto menos nova-iorquino de Nova York, todos os dias parecem domingo. Mesmo durante a semana, quando a única escola e o pequeno comércio da rua principal (que alguém batizou, com rara criatividade, de Main Street ou Rua Principal) estão funcionando. Mesmo entre o Dia de Ação de Graças e o Ano-Novo, quando Nova York recebe mais de 6 milhões de turistas – dos quais apenas uma pequena parcela, imagino, sabe que Roosevelt Island sequer existe.
Morar aqui é uma experiência curiosa: a apenas uma estação de metrô do Upper East Side, onde tudo é pressa e barulho, Roosevelt Island (3,2 quilômetros de comprimento, 240 metros de largura, 12 mil habitantes) tem seu ritmo próprio – domingueiro, arrabaldino, distensionado. Com a dupla cidadania de habitante da metrópole e suburbano, o morador de Roosevelt Island consegue estar dentro e fora de Manhattan ao mesmo tempo.
A vizinhança pacata acabou afetando a forma como eu me adaptei à cidade nos últimos dois anos – aos poucos, sem ansiedade. Nova York pode ser excessiva, exagerada, inabarcável. Como uma prateleira de supermercado com 36 marcas diferentes de pasta de dente à disposição do freguês. Mesmo quando você encontra exatamente o que quer, sabe que algo deve ter passado despercebido quando você estava olhando para o outro lado, distraído pela profusão de ofertas. Nova York é demais – mas nem sempre no mesmo sentido que Porto Alegre.
Foi preciso uma temporada mais longa, e a mirada mais ou menos a distância que Roosevelt Island proporciona, para que eu começasse a entender Nova York. Entender, aqui, não significa decifrá-la completamente, o que ainda me parece impossível, mas reduzi-la a uma escala humana, íntima, de admiração e afeto: o que eu buscava era um momento “alguma coisa acontece no meu coração”. E ele acabou vindo. Não em uma esquina movimentada de Manhattan ou em qualquer outro lugar magnífico da cidade, mas no metrô.
A mais completa tradução de Nova York é um local prático e eficiente, sem qualquer esforço de beleza ou transcendência, em que moradores e visitantes encenam todos os dias o inigualável espetáculo da diversidade humana. Todas as cores, todas as classes sociais, todas as línguas e os figurinos mais exóticos convivem ali, por alguns minutos, em aparente harmonia. Como se fosse simples, como se fosse possível, deslocar-se de um lugar ao outro, todos os dias, lembrando como é importante respeitar o espaço, as escolhas e as idiossincrasias do companheiro de viagem. Sem se sentir ameaçado, raivoso ou indignado, abraçar a condição passageira de todas as coisas – acima e abaixo da terra.
É apenas o metrô de Nova York, mas poderiam ser os meus votos para este e todos os Natais.