Na taxonomia do golpismo nacional, já é possível identificar três espécies de negacionistas eleitorais: patrocinadores, operários e devotos.
1) Patrocinadores são políticos, empresários ou líderes religiosos que insuflam as manifestações pró-golpe enviando recursos materiais ou mensagens de apoio mais ou menos explícitas (“Não desanimem! Algo bombástico vai acontecer nas próximas 72 horas!”).
2) Operários são os que são pagos para executar tarefas encomendadas pelos patrocinadores – seja bloquear estradas, servir refeições nos acampamentos ou espalhar a ideia de que é absolutamente natural contestar o resultado de uma eleição.
3) Devotos são os que emprestam seu tempo e sua energia para uma causa em que de fato acreditam.
Das três espécies, a última me parece a mais intrigante. Não exatamente pelas convicções ideológicas antidemocráticas, mas pela forma como esses manifestantes se comportam quando estão em grupo: mais impetuosos e intolerantes, mais violentos e muito menos racionais do que cada indivíduo em particular. Entre os muitos vídeos com cenas risíveis que viralizaram nas últimas semanas (homem pendurado na dianteira de um caminhão, militantes cantando o hino em volta de um pneu...), Porto Alegre destaca-se como o cenário de duas das imagens mais compartilhadas. Na primeira, mulheres enfileiradas diante de um quartel recitam um jogral que pede liberdade e ditadura militar – ao mesmo tempo. Na segunda, gravada durante a noite, manifestantes com celulares sobre a cabeça enviam sinais luminosos para alguma entidade superior não identificada (drones, generais ou ETs, não fica claro).
Há nesses flagrantes de humor involuntário um componente performático que reforça a coesão do grupo, imagino. Para o observador externo, restam a ressaca cívica, a perplexidade e a necessidade de tentar entender o que está acontecendo ali – e não apenas do ponto de vista ideológico.
Muita gente vem se debruçando sobre o tema da radicalização e da adesão acrítica a teorias conspiratórias nos últimos anos. Infelizmente, o fenômeno ultrapassa as fronteiras e as circunstâncias históricas do Brasil. Duas abordagens breves e acessíveis para qualquer um que se interesse pelo assunto: o documentário The Brainwashing of My Dad (2015), sobre um caso de radicalização relacionado ao consumo de fake news nas redes sociais, disponível no YouTube, e Brainwashing (2021), quinto episódio da série The Mind, Explained, da Netflix.
A leitura obrigatória continua sendo o artigo “Psicologia das massas e a análise do eu” (1921), publicado quando nem mesmo o rádio havia chegado ao Brasil. Às vezes, só mesmo Freud para explicar.