Teve guerra, eleição, Copa, varíola dos macacos, fotografias de galáxias distantes e até ameaças (e pedidos) de golpe. E como se não bastasse a já instalada confusão entre realidade e pensamento mágico, notícias e fake news, ciência e charlatanismo, luzes misteriosas bailaram sobre nossas cabeças. Em 2022, Porto Alegre olhou para o céu – e as redes sociais olharam para Porto Alegre. Qualquer retrospectiva séria dos grandes acontecimentos do ano deveria incluir o episódio dos óvnis que foram sem nunca ter sido.
Com exceção dos que ficaram aflitos com o risco de uma intervenção intergaláctica iminente (sempre os há), os gaúchos encararam o enigma das luzes coloridas com curiosidade, bom humor e até certo enlevo. Estava todo mundo tão farto de eleição, polarização, radicalização, que foi reconfortante olhar para a mesma direção – ao infinito e além. Pelo menos por alguns dias.
Ao que tudo indica, os vídeos compartilhados nas redes sociais não flagravam objetos voadores não identificados, mas sim a luz do sol refletida em satélites que andavam orbitando por aí, distraídos da confusão que estavam causando aqui embaixo. O esclarecimento do mistério foi um final previsível, mas um tanto frustrante para quem esperava prorrogação ou, no mínimo, uma disputa nos pênaltis. Uma boa explicação apazigua a inteligência e sacia a curiosidade, mas só o inexplicável é capaz de nos manter em estado de excitação e maravilhamento.
Há quem não lide bem com o que não se presta a explicações simples: a origem do mundo, o sentido da vida, o destino das meias perdidas. Para preencher lacunas de conhecimento ou aplacar a angústia diante do que foge ao controle, vale encadear fatos não relacionados, estabelecer conexões descabidas entre causa e efeito, montar enredos baseados em falsas premissas. Tudo para livrar-se do incômodo da dúvida.
O podcast de ciência Unexplainable, escolhido um dos melhores de 2022 pelo New York Times, faz mais ou menos o contrário disso. Em vez de driblar o inexplicável, ou varrê-lo para baixo do tapete, coloca em evidência os mistérios que os cientistas ainda não foram capazes de solucionar – de como funciona o olfato à estrutura da matéria escura que compõe o Universo, passando por fenômenos tão belos e singulares quanto os “raios globulares”.
A inteligência pode ser humilde e insaciável ao mesmo tempo, mas ninguém descobre nada de novo quando se convence de que já sabe tudo. Que a luz da curiosidade e a disposição permanente para aprender (e se maravilhar) iluminem o horizonte de todos nós em 2023.