Cantando, Anitta não consegue prender minha atenção por mais do que 30 segundos, mas parei para assistir aos 10 minutos de entrevista para o apresentador Jimmy Fallon, da NBC, duas semanas atrás. O que me interessou não foi tanto o conteúdo (o disco novo, o namoro com um craque do futebol americano…), mas a forma da conversa. Mais especificamente, a fluência da menina de origem humilde que fala inglês melhor do que muito marmanjo que estudou em escola bilíngue e fez MBA nos Estados Unidos.
Não fui só eu que fiquei impressionada. Se você digitar “como Anitta” no Google, a primeira opção que aparece é “como Anitta aprendeu inglês”, seguida por “como Anitta aprendeu inglês e espanhol” (sim, o espanhol dela também é muito bom). Lamento informar que a cantora não adotou nenhum método milagroso de aprendizagem – péssima notícia para quem adoraria poder colocar um dicionário embaixo do travesseiro e acordar falando fluentemente. Dedicação aos estudos e facilidade para aprender idiomas resolveram a parada. Só isso. Tudo isso.
Conheço pessoas com um bloqueio quase patológico para idiomas estrangeiros e outras que aprendem rápido e sem qualquer esforço. Diria que faço parte do trivial pelotão situado entre os dois extremos. Antes de me mudar para Nova York, no ano passado, já havia passado uma temporada por aqui, nos anos 1980. Com 19 anos e inglês de colégio particular, demorei pouco mais de quatro meses para me sentir à vontade. Meu inglês não era tão bom quanto o da Anitta, é verdade, mas o sotaque forte e os eventuais erros de pronúncia não me constrangiam ou atrapalhavam na vida cotidiana.
Nos últimos 35 anos, nunca deixei de frequentar o idioma, o que me ajudou a manter e ampliar o vocabulário, mas venho notando, nessa nova temporada nos Estados Unidos, que falar ficou um pouco mais difícil. Não porque o inglês piorou, propriamente, mas porque o português ficou maior, mais complexo, mais ambicioso. Minha impressão é que se abriu um abismo entre a língua que eu falava com alguma facilidade aos 20 anos e aquilo que eu gostaria de expressar, com mais naturalidade, nos dias de hoje.
Isso porque um idioma não é apenas uma coleção de ferramentas de comunicação de valor utilitário. A língua carrega nossas sutilezas, nossas ambiguidades, nossas memórias e dá forma concreta ao nosso pensamento mais abstrato. Quanto mais o tempo passa, maior é a bagagem que a nossa língua comporta – e mais difícil é transportá-la, de um lado para o outro do mundo, sem perder alguma coisa preciosa pelo meio do caminho.
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Falando nas sutilezas da língua mãe, está chegando às livrarias uma versão revista e atualizada do sensacional Dicionário de Porto-alegrês, do professor Luis Augusto Fischer, em edição comemorativa aos 250 anos de Porto Alegre. A barbada: quem encomendar o livro na Bamboletras (bamboletras.com.br) ganha um exemplar autografado pelo autor.