Elza, Nara, Elis, em ordem de nascimento. Elis, Nara, Elza, em tempo de vida (somadas, as idades de Elis e Nara, quando morreram, não chegam aos 91 de Elza). Elza, Elis, Nara na escala social – da sobrevivente do planeta fome à “pobre menina rica”, com um IAPI no meio.
Três mulheres-canção, três nomes de apenas quatro letras que dispensam contexto ou sobrenome quando entram na conversa. Três vidas que – cruzadas, distantes ou mesmo em rota de colisão (Elis e Nara não se bicavam) – ajudam a contar boa parte da história da música brasileira deste e do outro século.
Três mulheres que foram esposas e amantes, traidoras e traídas – sempre à vista de todos e em meio a uma nada banal virada de mesa na relação de poder entre os sexos. Três cantoras casualmente reunidas no noticiário da semana passada por uma sobreposição de efemérides: os 80 anos de Nara Leão, os 40 da morte de Elis Regina (ambos em 19 de janeiro) e a saída de cena, em plena atividade, de Elza Soares (no último dia 20).
Mais do que pela voz, uma cantora é definida por suas escolhas e circunstâncias. Durante muito tempo, achei que Marisa Monte seria a grande cantora da minha geração. Mudei para o time Mônica Salmaso, alguns anos atrás, não porque uma voz é mais bonita ou afinada do que a outra, mas pelas músicas que escolheram cantar. Passei ao largo pelo enorme sucesso de Marília Mendonça porque seu estilo e suas letras não dialogam com o que eu penso ou sinto. Nunca saberemos como teria conduzido sua carreira se tivesse vivido mais do que seus breves 26 anos.
Circunstâncias permitiram que Nara Leão acompanhasse o nascimento da Bossa Nova sem precisar sair de casa, mas foi dela a escolha de mudar de turma várias vezes ao longo da carreira (como mostra o ótimo documentário O Canto Livre de Nara Leão, disponível no Globoplay). Circunstâncias ajudaram Elis a desenvolver seu talento excepcional desde muito cedo, mas foram as escolhas e a inteligência musical que garantiram a ela o posto de maior cantora do Brasil.
Circunstâncias jogaram contra o talento de Elza Soares desde o nascimento, e ela driblou quase todas sem perder o tom. Nos anos 1990, sem público e com dificuldade para pagar as contas, quase desistiu da música. Mas o jogo só acaba quando termina, como Garrincha sabia muito bem. Com mais de 70 anos, Elza reescreveu o epílogo da própria história e tornou-se reverenciada por fãs que nasceram anos depois da morte de Elis e Nara. As circunstâncias moldaram-se às escolhas. E vice-versa.