A decisão de uma escola do Tennessee de remover a história em quadrinhos Maus do currículo das turmas de oitava série teve dois efeitos imediatos aqui nos Estados Unidos: 1) aumentaram as vendas e o interesse pela obra-prima de Art Spiegelman (uma narrativa sobre os horrorres do Holocausto inspirada pela passagem dos pais do quadrinista por um campo de concentração) e 2) a iniciativa chamou a atenção para a onda de tentativas de exclusão de livros de currículos escolares e de bibliotecas que vem se espalhando pelo país em um ritmo até aqui inédito (a Associação Americana de Bibliotecas registrou um recorde de 330 ações contra livros no último semestre). A justificativa para excluir Maus da lista de livros recomendados pela escola inclui a alegação de que a história em quadrinhos inclui palavrões e “cenas de nudez” – o que não deixa de ser engraçado considerando-se que os personagens são retratados como ratos.
Pais preocupados com o que os filhos andam lendo sempre existiram – tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil. A novidade, apontou o jornal The New York Times em uma reportagem sobre o assunto publicada na semana passada, são as táticas que vêm sendo usadas para resolver conflitos desse tipo em um ambiente de extrema polarização. Com apoio de lideranças políticas e da militância nas redes sociais, os movimentos contra determinados livros têm ultrapassado a esfera escolar. Já não basta reclamar de leituras consideradas impróprias na reunião da escola ou no grupo de mensagens dos pais. É preciso tentar mudar leis e ameaçar professores e bibliotecários com processos e demissões.
O número de ações questionando livros (de clássicos como O Conto da Aia, de Margaret Atwood, Amada, de Toni Morrison e O Sol é para Todos, de Harper Lee, a títulos publicados mais recentemente) está relacionado ao fato de que esses ataques têm vindo de todos os lados. Enquanto “conservadores” tentam banir livros que falam sobre sexo ou raça de uma maneira considerada incompatível com valores tradicionais, “progressistas” usam referenciais contemporâneos para julgar a integridade moral de autores do passado e sua relevância nos dias de hoje. É a tempestade perfeita – se não levarmos em conta, claro, que qualquer guri de 10 anos sabe como acessar conteúdos (de todas as naturezas) sem que pais e professores sequer desconfiem.
O que gregos e troianos compartilham nessa guerra cultural é a ilusão de que não estão “censurando” os livros, mas apenas protegendo os leitores de ideias consideradas perigosas ou desconfortáveis. Em um país como os Estados Unidos, que sempre se orgulhou de valorizar a liberdade, é preciso elaborar bons argumentos para justificar qualquer movimento que contraria esse princípio. Esses argumentos podem vir embalados com o papel celofane das boas intenções, mas nunca deixam de ser o que são: censura. A manifestação mais antiga do eterno medo de ser obrigado a conviver com o contraditório.