O último grande concerto dos Beatles foi no ano em que eu nasci, 1966. Quando a banda terminou, quatro anos depois, meu maior ídolo musical ainda era o Topo Gigio. Há fãs que nasceram depois do assassinato de John Lennon (1980) e outros que chegaram depois da morte de George Harrison (2001). Se a sintonia com os Beatles vem transbordando, de uma geração para a outra, há mais de 60 anos, somos todos contemporâneos do maior fenômeno musical da Terra: os velhos e os mais velhos, os jovens e os mais jovens.
No último final de semana, essa base de fãs do tamanho do mundo foi mobilizada por mais um fato novo: a estreia das três partes do documentário The Beatles: Get Back (Disney+), dirigido por Peter Jackson. O diretor da trilogia O Senhor dos Anéis voltou às mais de 150 horas de gravação de vídeo e às quase 60 horas de áudio – base do filme e do disco Le It Be, lançados em 1970 – para recontar a história daquele período à luz de uma nova perspectiva. Quem é fã, mas se aborrece facilmente, talvez ache demasiadas as quase sete horas de documentário em que tudo e nada acontece. Para os devotos mais curiosos por cenas de bastidores, a sensação é a de estar sentado ao lado de Paul, John, George e Ringo enquanto eles compõem, improvisam, brincam e provocam uns aos outros em alta definição.
Há conversas que ajudam a desfazer mitos sobre o fim da banda e tiradas que soam ainda mais divertidas em 2021 (“Daqui a 50 anos, vão dizer que os Beatles terminaram porque a Yoko sentou em cima de um amplificador”, brinca Paul). Nada supera, porém, o impacto de ver surgir de um fiapo de ideia ou de uma melodia incompleta canções como Get Back, The Long and Winding Road e Let it Be. Acompanhamos a transformação da pedra bruta em diamante, mas também o desgaste do processo. O sucesso do passado (e os desentendimentos do presente) pesam cada vez mais sobre todas as decisões.
As cenas finais do documentário nos levam para o terraço da Apple Corps., onde a banda se apresentou pela última vez em público em 30 de janeiro de 1969. Depois de dias de ensaio em que as coisas parecem não funcionar como eles gostariam, tudo parece se encaixar. A mágica voltou a acontecer. Não há nenhuma imagem inédita, mas é como se estivéssemos assistindo cada detalhe pela primeira vez. Ao vivo.
Os velhos e os mais velhos, os jovens e os mais jovens – comovidos – agradecem: os Beatles estão de volta. Mais uma vez.