O “gigante” acordou, como palavra de ordem, nas manifestações de junho de 2013 – e nunca mais voltou a dormir no dicionário.
A expressão, na verdade, havia sido capturada de uma campanha do uísque escocês Johnnie Walker, lançada um pouco antes, em 2011. No comercial, o morro do Pão de Açúcar despertava, como um colossal monstro de pedra, e seguia em direção ao mar – deixando a população boquiaberta nas ruas do Rio de Janeiro. (Acordou por quê? Por que acordou? E aonde vai, com tanta pressa? Posso ir junto?) Aproveitando o conhecido slogan “Keep Walking”, a marca mandava um recado específico para o então promissor mercado brasileiro: “O gigante não está mais adormecido. Keep Walking, Brazil”. Era para ser um negócio otimista em relação ao futuro do país, que recém havia alcançado o posto de sexta economia do mundo, mas o aspecto pouco amigável do monstro deixava a coisa toda com jeitão de filme-catástrofe dos anos 1970. Mau presságio. Mais ou menos como as manifestações de 2013, que eram para ser contra-tudo-isso-que-está-aí e acabaram, de alguma forma, dando origem exatamente a isso-tudo-que-está-aí.
De lá para cá, o termo “gigante” perdeu popularidade como substantivo masculino associado ao país que atiçava a cobiça de investidores e mobilizava esperanças na longínqua década de 2010. Na esteira da redução substantiva das expectativas nacionais, a palavra “gigante” passou por um “rebranding” na linguagem popular, renascendo como adjetivo hiperbólico. Já repararam? Nos últimos tempos, quando um artista ou político morre ou quando alguém quer elogiar um colega de trabalho, um amigo de infância, um ex-BBB, o motorista do Uber, a palavra que está na ponta da língua é uma só: “gigante”. Ninguém mais é “extraordinário”, “estupendo”, “admirável”, “genial”... Todos os adjetivos foram substituídos por um único, que parece encapsular todas as qualidades existentes na língua portuguesa – essa gigante pela própria natureza.
A moda parece ter surgido nas redes sociais, mas já chegou às manchetes impressas e ao Jornal Nacional: gigante esse, gigante aquele e também aquele outro. Uma Terra de Gigantes. Não deixa de ser curioso, e paradoxal, que a febre do “gigantismo” tenha ganhado força na linguagem do dia a dia exatamente quando tudo aquilo que um dia foi ótimo, bom ou razoável parece ter-se reduzido ao plano da insuficiência. Enquanto o adjetivo da moda se agigantava, o país encolhia.