Não peguei o cigarro liberado na mesa de trabalho nem as máquinas de escrever, mas alcancei o tempo em que quase tudo era permitido em um escritório: humilhação pública, cantada do chefe, piada racista, homofobia. Quando a gente desembarca em um ambiente desconhecido, sem experiência, tudo parece aceito e consolidado. Somos levados a crer que aquela é a natureza inexorável das coisas e não uma acomodação provisória, circunstancial, sujeita a rearranjos permanentes.
Nos últimos 30 anos, na maioria das empresas, o cigarro sumiu não apenas dos espaços comuns, mas do prédio inteiro. Os computadores foram trocados umas 200 vezes, e o telefone fixo virou enfeite. Um tanto em função de leis e processos trabalhistas, outro tanto por mudanças culturais mais abrangentes, as relações pessoais dentro do ambiente de trabalho também mudaram.
O chefe habituado a humilhar seus subordinados deixou de ser visto como um líder eficiente e passou a ser encarado como uma pessoa desequilibrada, provavelmente inapta para a função de gerenciar uma equipe. As piadas racistas e homofóbicas foram minguando até quase desaparecerem – pelo menos dos espaços corporativos mais formais. Surgiram ouvidorias para recolher queixas dos funcionários insatisfeitos, investigações internas e processos por assédio moral. Gritar, desrespeitar, humilhar passou a ter consequências. Não digo que os ogros estejam todos desempregados e fazendo terapia, mas imagino que dormem menos tranquilos sabendo que o destempero de hoje pode ser o processo por assédio moral de amanhã.
O fato é que temperamentos muito agressivos e apetites exagerados pelo poder passaram a ser vistos com desconfiança até mesmo no ambiente supercompetitivo de uma grande empresa. Afinal, que acionista gostaria de colocar um sujeito imprevisível no comando de seus negócios? E que executivo conseguiria manter o emprego fazendo troça publicamente da doença, do salário ou dos problemas pessoais dos seus subordinados? E quem gostaria de trabalhar sob o comando de um líder instável e sem escrúpulos?
A estabilidade emocional e o profissionalismo, sem falar na competência, fazem bem para os negócios. Quem diria. Ainda assim, há sempre quem prefira um ogro no comando.