Rubem Fonseca foi o grande vencedor na loteria de livros com "conteúdos inadequados" que a Secretaria de Educação de Rondônia tentou saquear das bibliotecas nesta semana: quase metade da lista de 43 obras relacionadas no memorando encaminhado a coordenadores regionais de Educação, na última quinta-feira, era ocupada por livros do mais estimado e influente contista brasileiro do século 20. Carlos Heitor Cony, com oito títulos, aparece em uma honrosa segunda posição.
Podem não ter noção, mas têm bom gosto os randômicos censores rondonianos. Franz Kafka, com O Castelo, e a coletânea de contos universais Mar de Histórias, organizada por Aurélio Buarque de Holanda e Paulo Rónai nos anos 1940, representam o cânone ocidental. Machado de Assis, Euclides da Cunha, Mário de Andrade e Nelson Rodrigues defendem a zaga dos clássicos nacionais. Sobrou até uma vaga para um craque da seleção gaúcha, Caio Fernando Abreu.
Poderíamos argumentar que se trata de uma ignorância imperdoável não terem mencionado Noll, Faraco, Verissimo, Simões Lopes Neto..., mas seria um pleonasmo.
Prestes a completar 95 anos e ainda na ativa (seu livro mais recente, Carne Crua, foi lançado em 2018), Rubem Fonseca deve ter ficado satisfeito: não há nada que estimule mais a curiosidade de um jovem leitor do que um adulto proibindo a leitura. Sei por experiência própria. No início dos anos 1980, quando comecei a ler Rubem Fonseca, o tempo em que seus livros eram censurados não estava tão longe assim. (Aliás, analisando a obsessão dos censores por Rubem Fonseca e Cony, fica-se com a impressão de que alguém que não se dá ao trabalho de ler, nem mesmo para proibir, apenas macaqueou alguma lista de autores malditos que circulava durante a ditadura.)
A trapalhada, ainda bem, não foi adiante. Depois de tentar emplacar a versão de que a censura dos livros era "fake news", a Secretaria de Educação de Rondônia admitiu o erro e recolheu os navios, enviando aos seus coordenadores uma mensagem redigida em tom apropriadamente militaresco: "Missão de recolhimento dos livros abortada". O governador de Rondônia, o coronel Marcos Rocha, e o presidente da República, o capitão que recentemente andou reclamando que os livros didáticos tinham "muita coisa escrita", podem ter perdido a batalha, mas a guerra contra a inteligência, infelizmente, ainda está bem longe de um cessar-fogo.