Moro no Mont' Serrat, no quarto andar de um edifício cercado de edifícios por todos os lados. Ainda assim, por uma combinação espantosa de localização, topografia e sorte, avisto ao longe uma nesguinha de Guaíba.
É um quase nada de água, um borrão na borda do céu que as visitas em geral demoram a reconhecer, mas um anúncio que descrevesse a paisagem como uma "vista privilegiada" não estaria sendo totalmente exagerado ou desonesto - menos pela vaga ideia de rio que se insinua ao longe do que pela sensação de um horizonte aberto convidando à contemplação.
É mesmo um privilégio o horizonte. Na praia, na estrada, na cidade pequena, no topo de uma montanha. Na janela de casa, é um luxo que sempre me esforcei para merecer. Numa terça-feira opaca de um fevereiro qualquer, quando nada de especialmente ruim ou bom aconteceu ou está para acontecer, olhar para a linha que separa o céu da superfície me acalma e me situa. Por alguns minutos, não importam a intranquilidade da cidade ou a minha, o barulho do trânsito, a música alta de um vizinho. Como o mar e as florestas, as montanhas e os precipícios, o horizonte impõe sua profundidade ao observador mais agitado e desatento. Não cura tudo, mas alivia muita coisa.
Durante os últimos 15 anos, fui me acostumando à ideia de que os horizontes, ao contrário dos diamantes, não são eternos. Era inevitável que o conjunto de casinhas que garantiu meu naco de céu e rio por tanto tempo mais cedo ou mais tarde sucumbisse à voracidade que ergue e destrói coisas belas. Durante esses 15 anos, torci para que o dono de uma das casinhas na frente do meu edifício fosse um sujeito intratável e de saúde de ferro. Alguém tão chato e indiferente a propostas milionárias que as construtoras decidissem cravar seus vergalhões em uma galáxia muito muito distante - ou pelo menos na rua do lado.
No ano passado, as casinhas finalmente começaram a vir abaixo. Os tapumes chegaram logo em seguida, estampando as comodidades do futuro condomínio e, mais importante, a altura do empreendimento: 16 andares. (Sensação térmica lá em casa: 48ºC.) Durante os primeiros meses, minha melancolia era maior do que o buraco que começou a crescer atrás dos tapumes. Quando as obras começaram, pensei em vender o apartamento. Não queria assistir ao massacre da paisagem. Amaldiçoei o plano diretor, as construtoras, os engenheiros, a invenção do tijolo. E aí cansei de sofrer.
Acabei chegando à conclusão de que, com ou sem vista privilegiada, eu gostava do apartamento e não ia me mudar. A vista ainda está lá, mas as fases do luto já começaram: negação, raiva, barganha, depressão. Acho que estou entrando na fase de "aceitação". Se os meus cálculos estiverem certos, não perco meu naco de pôr de sol. A árvore de quatro andares, que já morava aqui ao lado quando me mudei, promete continuar se cobrindo de amarelo durante o verão. Que venham o tapa-tudo, os novos vizinhos, a nova paisagem. Um horizonte oculto não é a mesma coisa que um horizonte curto.
Pelo menos enquanto a Terra for redonda.