Um crime, uma apologia do crime, ataques virtuais covardes e violentos: mais uma semana normal para os jornalistas do mundo em 2018.
No último sábado, o canal de notícias estatal saudita Al Ekhbariya finalmente admitiu que o jornalista Jamal Khashoggi está morto. Na versão do governo saudita, uma briga teria ocorrido entre o jornalista e pessoas que estavam no consulado em Istambul e, como consequência, ele acabou morrendo. Relembrando o caso: Jamal Khashoggi entrou no consulado no dia 2 de outubro, para retirar alguns documentos que precisava para se casar, e nunca mais foi visto. A imprensa turca afirma que o jornalista saudita foi torturado e assassinado de maneira brutal. Em seu último artigo para o jornal The Washington Post, Khashoggi denunciou os obstáculos à liberdade de imprensa no mundo árabe e escreveu: "Infelizmente, esta situação provavelmente não mudará".
Enquanto isso, nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump, em meio a cobranças pela falta de reação à altura diante da morte do colaborador de um jornal americano, estava ocupado redefinindo o termo piada de mau gosto. Na última quinta-feira, em um comício no Estado de Montana, Trump elogiou o deputado republicano Greg Gianforte por ter agredido o jornalista Ben Jacobs, correspondente do The Guardian, no ano passado.
"Qualquer cara que consegue levantar uma pessoa e jogá-la no chão é meu tipo de cara", pavoneou-se Trump. A plateia riu e aplaudiu. Na última sexta-feira, o repórter agredido se manifestou sobre o episódio: "Um cara durão não ataca alguém, do nada, por fazer perguntas a respeito de políticas para a saúde. Esse não é o gesto de um cara durão, é o gesto de um covarde".
No Brasil, a jornalista Patricia Campos Mello, do jornal Folha de S. Paulo, tem sido alvo de ofensas e ameaças nas redes sociais desde a última quinta-feira. Os ataques começaram depois da publicação da reportagem "Empresários bancam campanha contra o PT pelo WhatsApp". Repórter experiente, Patricia já cobriu conflitos como o da Síria e foi a única profissional brasileira a cobrir a epidemia de ebola em Serra Leoa, em 2014 e 2015. (Como alguém comentou no Twitter, Patricia tem mais coragem na ponta do dedinho do que 10 barbados que atacam sua reputação protegidos pelo anonimato.) Dias antes, a jornalista Miriam Leitão, da Rede Globo, havia sido vítima de ataques do mesmo tipo. Não foram as únicas.
Jornalistas viraram alvo da esquerda e da direita nos últimos anos. Os melhores da turma costumam ser atacados de forma igualmente violenta pelos dois lados. É do jogo, mas os resultados desses ataques continuados ao jornalismo de qualidade começam a cobrar seu preço. Quando as pessoas desconfiam da grande imprensa e dos jornalistas, mas estão dispostas a confiar nas mensagens de WhatsApp enviadas pela Tia Maroca, toda a sociedade sai perdendo.
Constranger jornalistas e atacá-los por fazerem seu trabalho é uma estratégia covarde e sobretudo arriscada. Quem acredita que a democracia sobrevive sem uma imprensa livre, forte e atuante está mais mal-informado do que a Tia Maroca.