Minha filha, que mora fora do país, me perguntou quais eram os meus piores medos em relação a uma possível vitória de Bolsonaro.
O que ela queria saber, na verdade, era qual o pior cenário possível. Respondi que não tinha certeza, mas que alguns dos meus medos tinham a ver com questões políticas e econômicas imediatas e outros eram mais abstratos e se relacionavam à forma como as duas metades do país vão interagir nos próximos anos.
Para começar, tenho medo de um governo errático, que agrave a crise econômica ainda mais. Esse medo está diretamente ligado à dificuldade do candidato de se expressar de forma articulada sobre temas como economia, educação, saúde e até mesmo segurança. Até aqui, ele tem sido uma tela branca em que se projetam ideias alheias muitas vezes contraditórias. Tenho medo de que a população se arme e a insegurança aumente – e que problemas complexos sejam abordados de forma simplória e ineficaz. Tenho medo da brutalidade como estilo de linguagem e prática política.
Tenho medo de que a religião ocupe um espaço exagerado na esfera pública – porque acredito que qualquer ameaça ao Estado laico é uma ameaça à democracia e às liberdades individuais.
Tenho medo de que o desprezo por áreas como cultura e meio ambiente cause prejuízos irreversíveis. Tenho medo de que meus amigos LGBTQ+ não se sintam mais em segurança ao sair de casa. Tenho medo de que a violência contra as mulheres aumente a reboque de discursos que confundem misoginia e discriminação com defesa dos valores da família. Tenho medo que o país fique ainda mais dividido e que negros, índios e pobres sejam tratados como cidadãos de segunda categoria. Tenho medo da arrogância e da falta de compaixão.
Tenho medo de que jornalistas sejam agredidos por fazerem seu trabalho e a mentira seja usada como estratégia de comunicação. Tenho medo de ter saudades da democracia imperfeita que conheci até este momento. Tenho medo de viver cercada de medos por todos os lados.
O medo e a raiva são os dois elefantes no meio da sala no Brasil de 2018. E o fenômeno é global: "Há muito medo no ar, e o medo bloqueia o pensamento racional, envenena a esperança e impede a cooperação construtiva para um futuro melhor", escreve a ensaísta americana Martha Nussbaum no livro Monarchy of Fear ("monarquia do medo"). Para a professora de filosofia da Universidade de Chicago, o medo é a emoção primitiva que nos ajuda a entender a atual divisão da sociedade americana em duas metades que se demonizam mutuamente (lá como aqui).
Pessoas que se sentem inseguras e impotentes para controlar as próprias vidas, diz Nussbaum, tendem a atribuir seus problemas a um determinado grupo (judeus, muçulmanos, refugiados, políticos, reacionários, comunistas...) e sonham com o surgimento de um soberano que prometa livrá-las de todos os perigos – inclusive os imaginários. O medo instaura uma espécie de monarquia absolutista em que nada precisa ser negociado e as diferenças não são levadas em conta, ao contrário do que acontece na democracia. Quem tem medo quer apenas resolver os próprios problemas.
Para Nussbaum, é preciso um esforço coletivo para que volte a ser possível conviver com quem pensa de forma diferente, desarmando espíritos e restaurando a capacidade de cooperação – como pregavam líderes pacifistas como Gandhi, Mandela e Luther King. Para superar a raiva, é preciso superar o medo. E vice-versa.