A Arábia Saudita admitiu neste sábado que o jornalista saudita Jamal Khashoggi morreu dentro de seu consulado em Istambul, mais de duas semanas após o desaparecimento do profissional provocar uma das piores crises internacionais envolvendo o reino.
Na Turquia, os investigadores prosseguiam com os trabalhos em uma grande floresta próxima a Istambul. Ancara prometeu revelar tudo sobre o caso.
A ONU e diversas ONGs pediram uma investigação independente, enquanto o governo da Alemanha considerou "insuficientes" as explicações de Riad sobre as circunstâncias da morte do jornalista e a Grã-Bretanha pediu que os responsáveis sejam julgados por seus atos.
A agência oficial SPA confirmou a morte da jornalista, ao citar a Procuradoria, que mencionou uma "briga" no consulado saudita de Istambul. Também informou a destituição de dois altos funcionários sauditas, assim como a detenção de 18 suspeitos.
O procurador-geral saudita, Sheikh al-Mojeb, publicou um comunicado sobre o caso: "As discussões entre ele e as pessoas que o receberam no consulado saudita em Istambul degeneraram para uma briga corporal com o cidadão Jamal Kashoogi, o que provocou sua morte, que sua alma descanse em paz".
Al-Mojeb não revelou onde está o corpo de Khashoggi, enquanto os investigadores turcos prosseguem com seus trabalhos.
Ali Shihabi, diretor de um think tank considerado próximo à monarquia saudita, divulgou outra versão.
"Khashoggi morreu estrangulado durante uma briga, não como resultado de uma luta com socos", declarou, com base nos depoimentos de uma fonte saudita de alta patente.
Mais tarde, o departamento internacional do ministério da Informação publicou uma declaração em inglês atribuída a uma "fonte oficial" na qual afirma que a discussão dentro do consulado resultou em uma briga que provocou a morte de Khashoggi e aconteceu "uma tentativa" por parte das pessoas que o interrogaram de ocultar o que aconteceu".
- Demissões e detenções -
Até agora, Riad alegava que o jornalista havia deixado o consulado no dia 2 de outubro. Ele compareceu ao local para cumprir os trâmites de seu casamento.
Após a confirmação da morte, Riad anunciou a destituição do vice-presidente do Serviço Geral de Inteligência, Ahmad al Asiri, e do conselheiro da corte real Saud al Qahtani.
Os dois são colaboradores próximos do príncipe herdeiro, sob pressão nos últimos dias devido ao escândalo do caso Khashoggi.
"Demitir Saud al Qahtani e Ahmad al Asiri significa ir o mais próximo possível de Mohamed bin Salman", explicou Kristian Ulrichsen, analista na Universidade de Rice, Estados Unidos.
"Será interessante ver se estas medidas são suficientes. Se o vazamento de detalhes adicionais continuar, não existirá colchão para proteger o príncipe herdeiro", completou.
O rei Salman da Arábia Saudita determinou a criação de uma comissão ministerial presidida pelo príncipe herdeiro para reestruturar os serviços de inteligência, informou a imprensa oficial.
Este caso deixou o reino, que durante décadas tem sido um aliado chave do Ocidente contra o Irã, sob uma pressão sem precedentes.
Para Ancara é uma "dívida de honra" revelar tudo que aconteceu.
"Não estamos acusando ninguém de modo antecipado, mas não aceitamos que nada permaneça encoberto", disse Omer Celik, porta-voz do Partido Justiça e Desenvolvimento, que governa a Turquia.
- Versão 'crível' para Trump -
O presidente americano, Donald Trump, havia admitido na quinta-feira pela primeira vez que Khashoggi provavelmente estava morto e ameaçou a Arábia Saudita com consequências "muito graves".
Na sexta-feira, Washington renovou as advertências e citou possíveis sanções.
Ao ser questionado por um repórter se considerava "crível" a versão de Riad, Trump respondeu: "Sim, sim".
"Ainda é cedo, não concluímos nossa investigação e nossa avaliação sobre o caso, mas penso que trata-se de um passo muito importante", completou.
Washington reagiu rapidamente ao anúncio de Riad.
"Estamos tristes de saber da confirmação da morte de Khashoggi e manifestamos nossas mais sentidas condolências à sua família, noiva e amigos", afirmou a porta-voz da Casa Branca, Sarah Sanders.
O secretário-geral das Nações Unidas, António Gutierres, se declarou "profundamente preocupado com a confirmação da morte de Jamal Khashoggi".
Para a chanceler alemã, Angela Merkel, as explicações de Riad são "insuficientes" e os motivos da morte do jornalista devem ser conhecidos.
O chanceler francês, Jean-Yves Le Drian, estimou que "várias perguntas permanecem sem resposta", e pediu "uma investigação exaustiva".
Em um comunicado, o ministério britânico das Relações Exteriores pediu que os "responsáveis por este ato horrível sejam julgados".
As conclusões sauditas "não são dignas de confiança", afirmou a Anistia Internacional em um comunicado.
A ONG Repórteres Sem Fronteiras pediu que a pressão continue sobre a Arábia Saudita com o boicote do fórum econômico do Golfo (23 a 25 de outubro).
A Associação Turco-Árabe de Meios de Comunicação (TAM) pediu uma punição aos "verdadeiros responsáveis" pela morte de Jamal Khashoggi.
"Pedimos uma punição não apenas aos 18 homens, e sim aos que deram as ordens", afirmou Turan Kislakci, diretor da TAM, da qual Khashoggi era membro.
Hatice Cengiz, a turca que era noiva de Jamal Khashoggi, escreveu no Twitter que seu "coração está repleto de dor e os olhos de lágrimas". "Lamento a nossa separação, Jamal, meu amor".
A revista Newsweek publicou uma entrevista póstuma de Khashoggi na qual ele afirmou que não pedia a queda do governo saudita, "porque não é possível", e sim que desejava uma "reforma do regime".
Também declarou que "certamente" aceitaria um posto de conselheiro de Mohamed bin Salman, pois "quero uma Arábia Saudita melhor". No entanto, denunciou o estilo "autoritário" do príncipe herdeiro e afirmou que, apesar das reformas, dirige o reino como seu avô. "É um líder tribal que passou de moda".
* AFP