Juaney, Renault, Ruanê, Ru a Ney (!). As diferentes (e criativas) grafias usadas nos últimos dias nos ataques à Rouanet nas redes sociais atestam o desconhecimento da maioria dos críticos com relação ao fato mais básico a respeito da lei – batizada, para surpresa de muitos, não em homenagem a um certo Sr. Juaney, de origem desconhecida, ou aos grandes serviços culturais prestados ao país pelos automóveis da Renault, mas sim ao diplomata e imortal Sérgio Paulo Rouanet, secretário de Cultura do governo Collor quando a lei foi criada, em 1991.
Opiniões desinformadas são apenas um dos aspectos da crise política em que estamos afundados. O fato é que o principal mecanismo de financiamento cultural do país tornou-se odiado, nestas eleições, por todos aqueles que 1) nunca se interessaram realmente por arte ou cultura, 2) odeiam/invejam artistas, principalmente se eles são muito famosos e criticam as ideias de um determinado candidato, e 3) identificaram na Cultura um tema que chama atenção e acende paixões, para o bem e para o mal. Quando até Roger Waters e Madonna são acusados de "mamarem nas tetas da Juaney", senhores, temos um problema – e o erro de ortografia é o menor deles. Além da questão política e do momento agudo de polarização, que favorece o surgimento de bodes expiatórios, há no ódio à Lei Rouanet um traço evidente de raiva contra a arte, a cultura e o conhecimento. Porque onde há cultura e conhecimento, há dúvida. E onde há dúvida, nenhum dogma será considerado intocável.
Não que a Lei Rouanet seja perfeita. Nenhuma lei é. Algumas ficam obsoletas não porque são ruins, mas porque a sociedade evolui e novas dinâmicas se estabelecem. A maior parte das críticas sérias com relação à Rouanet refere-se à centralização dos recursos em Estados como Rio e São Paulo e ao uso desse tipo de financiamento público por artistas já devidamente reconhecidos pelo mercado. São críticas que, de diferentes formas, vêm sendo endereçadas. Mas o opinador raivoso não se interessa por política cultural ou sutilezas da economia criativa. A maioria imagina que o dinheiro da Rouanet sai de um fundo federal, e não de empresas que destinam parte dos seus impostos para a produção de espetáculos – e para a manutenção de centros culturais, orquestras e museus e para o desenvolvimento de projetos como publicação de livros ou gravação de discos.
Funciona mais ou menos assim: artistas, produtores ou mesmo empresas e organizações inscrevem seus projetos. Após passar por várias etapas de análise, o projeto recebe um selo de aprovação do MinC e a partir daí os proponentes têm um determinado prazo para buscar patrocinadores. Ou seja: é a empresa que decide qual projeto irá apoiar e quanto será investido, não o governo.
Com todas as suas falhas e imperfeições, a Rouanet permitiu que milhares de artistas brasileiros, de todos os estilos e matizes ideológicos, produzissem muito nos últimos 27 anos. É bom lembrar que, na maioria dos países, a cultura depende de financiamento público ou privado em alguma medida. O grande mérito da legislação brasileira foi ter reduzido a participação do Estado na decisão do que deve ou não ser financiado.
Mas a formiga não quer nem saber: insulta muito a cigarra – e depois sai correndo para votar no inseticida.