De onde nada se espera, daí é que não sai nada mesmo. Depois de oito meses de pesquisas financiadas pelo governo paulista, foi suspenso há 10 dias o estudo do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) que investigava a eficácia da chamada "pílula do câncer". Dos 59 pacientes que participaram do estudo, apenas um apresentou alguma melhora, e os pesquisadores concluíram que o medicamento, distribuído desde os anos 1990 sem qualquer respaldo científico consistente, não apresentava "benefício clínico significativo".
A notícia dos primeiros resultados da pesquisa chamou menos atenção do que toda a polêmica de meses atrás envolvendo pacientes esperançosos, cientistas descrentes e políticos oportunistas – o que significa que boa parte das pessoas provavelmente permanece acreditando que um pesquisador do interior de São Paulo inventou uma pílula mágica que não é distribuída para todos os pacientes de câncer do planeta graças a um complô maligno dos laboratórios farmacêuticos.
Jogar fora o dinheiro que sempre falta no Brasil para pesquisas científicas e manipular o desespero de pessoas doentes e seus familiares já seria ruim o suficiente, mas todo esse tempo perdido discutindo um medicamento que os pesquisadores sérios já sabiam que, na melhor das hipóteses, funcionava como placebo é mais um exemplo do fenômeno que o professor americano Tom Nichols batizou de "a morte do especialista", em livro lançado há pouco nos Estados Unidos (The Death of Expertise).
A tese central do livro é a de que o conhecimento especializado vem sendo progressivamente desacreditado em uma época em que pessoas enclausuradas em bolhas de afinidades rapidamente se convencem de que a opinião de cem leigos é tão ou mais legítima do que a de um único especialista. Se você acha que sabe tudo sobre colesterol depois de 10 minutos de pesquisa no Google ou reclama porque o professor de matemática está exigindo demais dos miolos cansados do seu filho, talvez entenda a que o autor está se referindo.
A facilidade de acesso a uma quantidade virtualmente ilimitada de informações tem levado muita gente a acreditar que é possível ter "opiniões" sobre tópicos como aquecimento global ou teoria da evolução sem levar em conta o conhecimento científico acumulado sobre o assunto. Se os intelectuais sempre foram vistos com desconfiança, o que é compreensível dado que pessoas que sabem mais muitas vezes são uma ameaça para o "status quo" das que sabem menos, chegamos ao estágio em que o problema não é apenas a desinformação, mas a força de contaminação das informações falsas – como uma cura milagrosa, por exemplo.
"Nunca tantas pessoas tiveram acesso a tanto conhecimento, e ainda assim foram tão resistentes a aprender qualquer coisa", afirma Tom Nichols no prefácio do livro. Ou seja: onde morrem os especialistas, multiplicam-se os cabeças-duras.