
Que toquem as trombetas do Apocalipse. Que as estrelas caiam do céu ardendo como tochas. Que os selos sejam rasgados. Que os anjos desçam. Que as rochas se abram.
O mundo está cada vez menos habitável.
Um genitor, Tiago Ricardo Felber, 40 anos — eu me nego a chamar de pai —, jogou o seu filho de cinco anos de uma ponte de 15 metros de altura sobre o Rio Vacacaí, em São Gabriel (RS), na tarde de terça-feira (25). Ele confessou à polícia que se vingava da ex-companheira. Foi preso em flagrante por homicídio doloso.
O pequeno Théo não sobreviveu. Acabou se chocando contra as pedras no leito.
Ainda não se sabe se ele se encontrava vivo no momento da queda, dado que será comprovado pela perícia.
Ao que tudo indica, estava consciente, o que agrava a orfandade do seu desespero. Pode ter gritado, esperneado, pedido misericórdia.
Imagens de câmeras da região registram os dois circulando de bicicleta pela cidade às 9h41 (três horas antes do crime). O menino surge sentado dentro de uma caixa plástica na frente do volante — daquelas utilizadas em supermercado — e não tem ideia do que vai acontecer. Pensa que é uma carona lúdica, um passeio pela famosa ponte da avenida Getúlio Vargas.
Por mais macabro que pareça, o vendedor ambulante fazia aniversário e se deu de presente a morte do filho.
Não aceitou a separação e decidiu se livrar do Théo, que morava com a mãe em Nova Hartz, no Vale do Sinos.
Arremessou a infância indefesa e vulnerável, como se fosse um saco de restos de construção, como se não fosse nada de importante.
Na noite anterior, já havia tentado asfixiá-lo. O garoto lindo, que sorria com os olhos, experimentou a fealdade do calvário, do sofrimento parcelado, lento, irreversível.
Isso não é vingança, mas monstruosidade covarde.
Agora não bastam mais para as mulheres medidas protetivas que garantam a distância do ex, precisam ser estendidas para os filhos.
Em alguns casos truculentos, a guarda partilhada não é mais possível, as visitas do final de semana são temerárias.
Crianças se transformam em alvos de represália contra o divórcio, imoladas para imputar o infortúnio familiar, usadas como castigo à independência feminina.
É a alienação parental no seu estágio mais avançado, o sadismo da possessividade.
Primeiro, arranca-se o coração materno. Em seguida, esvazia-se o ventre.
Homens não vêm admitindo a rejeição. Se não conseguem matar as parceiras, matam os próprios rebentos.
É uma mentalidade absurda de que os filhos são só da mãe, não deles.
Ou são empregados como barganha e escudo para que o casamento de maus-tratos continue, ou são abortados em vida.
O acesso filial é distorcido como uma forma de chantagem, para negociar a reconciliação, ou de controle dos horários e da rotina da antiga parceira.
De modo nenhum, concebo tamanha boçalidade como resultado passional. Paixão não deve atuar como fiadora da desgraça. Não deve servir de atenuante. O gesto demonstra o contrário do apego: ausência de sentimentos, indiferença, desprezo, crueldade extrema.
Já está sendo investigado um acidente com os mesmos propósitos de retaliação na serra gaúcha, há treze dias, em que um motorista teria lançado seu veículo contra um caminhão, causando a morte de seus gêmeos.
O que está acontecendo com a paternidade? Não, talvez sempre tenha acontecido. Não para de acontecer ao nosso lado. As vítimas de violência doméstica cansaram de avisar.