Qual o motivo para testemunharmos tantos assassinatos de crianças no Rio Grande do Sul? Que fábrica de homicídios de anjos está operando secretamente em nosso estado?
Bernardo, Rafael, Miguel, Anthony são alguns casos célebres de meninos maltratados, torturados e mortos pelos próprios familiares. Ou são jogados em mala no rio, ou enterrados vivos, ou abandonados para sempre.
Na sexta-feira (9), uma menina de 7 anos, Anna, foi atingida por nove golpes de faca no condomínio onde residia, na área central de Novo Hamburgo, no Vale do Sinos, em plena luz do dia. A mãe, presa preventivamente, é a principal suspeita do assassinato. Ela alegou que a filha teria “caído da escada”.
Também na sexta-feira, em Guaíba, Kerollyn, 9 anos, foi encontrada morta em um contêiner de lixo. Um reciclador achou o corpo.
Da mesma forma, a mãe é a principal suspeita, igualmente presa por trinta dias. A investigada admitiu à polícia que havia dado um medicamento controlado para a filha sem orientação médica.
Filhos, que deveriam ser uma dádiva, uma bênção, uma extensão de nossa posteridade, acabam sendo alvo de rivalidade, abuso, litígio entre os pais, até o mais inimaginável descarte.
Chegamos ao ponto da mais completa crueldade.
Uma criança morta no lixo: o lixo como berçário do ódio, o lixo como caixão improvisado da esperança ceifada.
Uma pequena desovada no lixo. Como se fosse um entulho. Como se não fosse gente.
Eu repito: no lixo. Onde colocar alguém que fez isso? Não merece a cadeia. Merece o lixo da humanidade.
Há versões de que o Conselho Tutelar teria sido acionado dezenas de vezes por vizinhos para averiguar a suspeita de maus-tratos e negligência, enquanto a menina ainda estava viva. A morte nunca é a primeira violência, existiu antes uma sequência de macro ou microviolências que ficaram impunes.
Como sempre, a sociedade assiste ao findar de uma vida ingênua e inocente sem reagir, sem intervir. Aparecemos tarde para o socorro. A ajuda só vem depois de a vítima já estar numa gaveta de ferro no Instituto Médico Legal. Reconhecemos o corpo inerte, jamais a alma em necessidade.
É o feminicídio acontecendo na infância. Ambas as meninas mortas na sexta-feira. Ambas as meninas indefesas, vulneráveis, mortificadas dentro de suas tutelas, debaixo do teto de casa.
Agora não deixam nem que as meninas cresçam. Matam as mulheres ainda meninas. É uma misoginia declarada.
Não bastasse a média absurda de doze feminicídios ao mês, com um assassinato de mulher gaúcha a cada 62 horas, passou-se a suprimir precocemente a existência de sonhos femininos.
Para coroar a bestialidade, o Rio Grande do Sul, a partir da cidade de Gravataí, em meio a fortes polêmicas, foi escolhido por uma ordem religiosa para levantar estátua em homenagem a Lúcifer.
Sequer dependemos de altar para demônio, a omissão já é o nosso ritual macabro. Não estamos protegendo nossas crianças. Vêm sendo sacrificadas pelo nosso intermitente descaso.