Já usei o Trensurb por mais de uma década. Ou quando morava em São Leopoldo e trabalhava em Porto Alegre. Ou quando morava em Porto Alegre e trabalhava em São Leopoldo.
Sem o trem, eu não tinha plano B. Ficava sem pai nem mãe. Não conseguia arrumar carona de última hora, e qualquer investida de ônibus acarretaria injustificáveis atrasos.
Minha sina era sair no escuro da madrugada, com a lua ainda pendurada no alto, para bater o cartão antes das 7h30min, quando o sol esboçava seus primeiros raios pelas janelas do escritório.
Eu me enxergava dependente daquelas unidades elétricas adquiridas do Japão. Por isso, estou preocupado com a paralisação de parte do serviço do Trensurb devido aos estragos da enchente.
Sua retomada é decisiva para Porto Alegre voltar aos trilhos, para a restauração da normalidade, para garantir o acesso ao emprego a moradores da Região Metropolitana.
Por enquanto, os trens seguem circulando entre as estações Mathias Velho, em Canoas, e Novo Hamburgo. Existe uma lentidão própria dos horários reduzidos, uma aglomeração ansiosa extremamente negativa nas paradas.
Aqueles que trabalham na Capital e residem longe permanecem seriamente prejudicados. As estações Aeroporto, Anchieta, Niterói, Fátima e Canoas estão com a reabertura planejada para o fim do mês. E a Farrapos para daqui a cinco meses. Isso já é ruim.
Mas o que mais me deixa perplexo é a incógnita das primordiais estações Mercado, Rodoviária e São Pedro, que não contam com previsão de retorno. Ou seja, não há nem esperança, ou uma promessa para se fiar. A expectativa agourenta nos bastidores é de que apenas sejam recuperadas em dezembro.
Se os passageiros se viam acostumados a ser mais rápidos do que os 30 segundos para entrar pelas portas do trem, agora estão fadados a aguardar seis meses.
É muito tempo. São 200 mil usuários diários fora de sua rotina básica, tendo que ultrapassar o seu orçamento a partir de ônibus, táxi ou carro de aplicativo para honrar os seus compromissos e expedientes. Verifica-se um fosso entre pagar o tíquete de R$ 4,50 do Trensurb — no momento ocorre o passe livre, pois o sistema de bilhetagem não está funcionando — e ter que recorrer a passagens inteiras e não integradas do ônibus.
O propósito maior da linha é unir o Vale dos Sinos à Capital. Qualquer situação provisória desfaz o benefício dos nossos trens urbanos, rompe com seu espírito democrático e igualitário, que possibilita o itinerário completo de suas 22 estações por um preço popular.
Deve acontecer uma mobilização do governo federal para reparar o quanto antes os danos nas duas subestações de energia (que alimentam as trações) comprometidas com as cheias. Já foi liberado à estatal o orçamento de R$ 164,3 milhões, o que ansiamos é agilidade na reconstrução da via férrea.
Se o aeroporto interditado é uma ameaça aos negócios e turismo, o Trensurb fracionado embarga o nosso mercado interno, fragilizando ainda mais as relações trabalhistas já fatigadas de tantas perdas e demissões.
Não podemos sair de Porto Alegre pelo céu, não podemos chegar a Porto Alegre pelos trens. É uma sensação persistente de ilhamento e orfandade.