Muçum, cidade no Vale do Taquari, já havia ficado inteiramente submersa em setembro do ano passado. E sofreu nova enchente, que destruiu o pouco que tinha sobrado, em maio deste ano.
Minha mãe nasceu no município, antes da emancipação, e passou a sua infância nas margens do Rio Taquari, colecionando suas pedras redondas.
Para todo conterrâneo da acolhedora encosta de cinco mil habitantes, a dor é mais pedra do que as famosas pedras do rio. O coração, de tanto sofrer, é mais impenetrável do que qualquer seixo lapidado pelo tempo no fundo do leito das águas.
Muçum virou um parque arqueológico, uma cidade fantasma, assustada, indefesa, sem retaguarda nenhuma, com telhados reduzidos a pilha de tijolos.
Grande parte da população terá que ser realocada, deixando toda a sua história para trás — 40% dos residentes do bairro Fátima, 60% do São José e 20% da região central.
Duzentas famílias já estavam em processo de transferência desde setembro de 2023. Seus terrenos foram considerados impróprios para novas moradias. Por enquanto, elas se encontram abrigadas dentro do projeto de Aluguel Social, em que a prefeitura cobre o valor de aluguel dos flagelados.
Só que, diferentemente do que se imagina, a prefeitura ainda não recebeu nenhuma casa.
De acordo com prefeito Mateus Trojan e vice-prefeito Amarildo Baldasso, existe uma linha de crédito de R$ 28 milhões da catástrofe anterior, autorizada pelo Governo Federal, mas até agora não foi liberada. Está presa na burocracia, na desapropriação de terras, no licenciamento ambiental.
— Quase um ano depois, não recebemos verbas da enchente anterior e já sofremos uma outra ainda pior. Nada concreto do concreto. Falam, falam, mas cadê? — desabafa o vice-prefeito Amarildo Baldasso.
As cifras são ainda promessas, causando temores em relação a uma segunda demora acumulada na reconstrução dos loteamentos e no remanejamento dos moradores.
Além das lacunas da habitação, a cidade enfrenta entraves logísticos, especialmente devido à destruição da principal via de acesso, a ERS-129.
— Foi aprovado o projeto da estrada na quarta, só que vai demorar seis meses para acontecer. Não dá para esperar, não dá para ficar ilhado todo esse tempo, sem acesso para os vizinhos — avalia Baldasso.
A proeza política é apressar a execução das obras e garantir uma avaliação mais imediata das demandas técnicas.
— Em nenhum momento, queremos descumprir requisitos, mas acreditamos que, devido à situação de calamidade total, é possível abreviar as etapas e encurtar os prazos — pondera o prefeito Mateus Trojan.
Trojan passa seus dias ouvindo histórias tristes, de quem perdeu marido e filho cadeirante, de quem viu seu negócio da vida inteira afundar, de quem não sabe como recomeçar. Coleciona perdas — perdas que são pedras.
— É uma tortura não chorar, mas não posso chorar. Tenho que me manter firme por aqui — afirma o prefeito.
Muçum completa 65 anos neste sábado. Não tem o que festejar. Está transbordando de angústia e aflição por respostas. Para voltar a ser um berço da Serra, para deixar de ser uma lápide no morro. Muçum, cidade no Vale do Taquari, já havia ficado inteiramente submersa em setembro do ano passado. E sofreu nova enchente, que destruiu o pouco que tinha sobrado, em maio deste ano.