Há uma dificuldade de dizer que não está tudo bem.
Quando alguém o cumprimenta e você diz que está tudo bem, não deve explicar nada. Quando você diz que não está tudo bem, precisa dar detalhes da mágoa ou aborrecimento. Vira desabafo.
É uma tradição de etiqueta que não se cumpriu à risca no último mês no Rio Grande do Sul.
Desde a enchente que devastou o estado, desde o maior desastre ambiental da história gaúcha, que afetou 90% dos nossos municípios, não estamos bem coletivamente. A saudação dispensa respostas otimistas e educadas.
Eu sei rir, eu sei fazer palhaçada, eu sei brincar, sou conhecido pelas minhas gargalhadas histriônicas de manhã na Rádio Gaúcha, mas algo eu também sei: o momento de calar, o momento de respeitar as perdas, o momento de oferecer apenas a presença atenta, o silêncio comovido.
E talvez seja a maior proeza que existe: entender e aceitar o sofrimento do outro e não tratá-lo como bobagem, não tratá-lo como drama, não tratá-lo como exagero.
Não estabelecer, de modo nenhum, um prazo de validade para o sofrimento. Já que a dor não usa relógio, ela tampouco sabe que dia é hoje.
Jamais falar:
— Você ainda está sofrendo?
— Você ainda está falando disso?
Ter noção de que cada alma digere num tempo diferente. A digestão da alma é distinta para cada um. Não há como apressá-la, não há como acelerá-la.
Muitos repetirão detalhe por detalhe de como suas casas foram inundadas, o que a água levou, o que não terão de volta. Cabe-nos escutar com interesse, pois envolve traumas, prejuízos irreparáveis de uma existência.
Não desista de acolher o que vem de um coração machucado. Não censure afirmando que já conhece o relato. Deixe a vítima externar o seu sofrimento represado — o sofrimento, por mais que seja dito, permanecerá ainda inédito por longos anos.
Costumamos querer impor um ambiente alegre de imediato, uma atmosfera de recuperação instantânea, mas é um movimento artificial, caduco, postiço, pouco espontâneo.
É aquela mania de motivar da boca para fora:
— Vamos lá, você tem que melhorar, você tem que reagir.
Somente cicatrizamos ao ser compreendidos. Dependemos, antes de tudo, de compreensão. Dependemos de apoio e amparo, para não nos sentirmos enlouquecidos, como se estivéssemos delirando sem razão.
É importante a percepção da realidade das lacunas e da saudade, o reconhecimento de que a tristeza não foi uma fantasia, de que aquilo que aconteceu foi um fato, de que aquele fato desencadeou sérios danos, de que cada um se reeducará para enxergar a vida.
Experimentamos o raro período de declarar: não está tudo bem.
Não está tudo bem, mas estou com você.
Está tudo bem não estar tudo bem.
Atravessamos um luto. O luto de um estado, de uma cidade, de um familiar, de um amigo, de um pet, de um lar, de um emprego, de uma esperança.
Pode ser que demore. Pode ser que nos atrapalhemos no avanço dos dias, recuando algumas vezes ou chorando pelos infortúnios.
É hora de respirar fundo e ter mais paciência. Porque paciência é amor. Quanto mais paciência você tem, mais ama o outro. Quanto menos paciência você tem, menos ama o outro.
Estamos juntos em qualquer situação, boa ou ruim.