Você questionava os tênis largados no banheiro, as meias sujas dentro dos tênis, a toalha que não era estendida, a calça embrulhada com a roupa íntima no cesto, os cabides no chão do quarto, a xícara largada com restinho de café no braço do sofá, o pote do queijo aberto, as chaves no lugar errado, os carregadores dos celulares com fios trocados, as portas escancaradas dos armários, as luzes acesas dos aposentos.
Você reclamava dos esquecimentos, das repetições, da confusão do outro ao sair de casa, do desleixo dele ao voltar para casa.
“Depois eu arrumo” nunca acontecia. “Depois eu lavo” empilhava a louça na pia. “Depois eu faço” demorava a vir.
A saudade é finalmente não querer mudar o outro.
Como você nunca esperou, e se pôs a ajeitar antes, jamais pôde descobrir se a intenção alheia resultaria em ação.
Você protestava diariamente contra a ameaça à sua ordem, ao conteúdo das gavetas alinhado, ao capricho do forro de papel estampado.
Irritava-se longamente procurando a tesoura que estava longe do seu esconderijo, ou a escova de dente que localizava deitada no box, jamais de pé em seu pote. Perdia tempo caçando objetos, coisas, ideias, deslocados de onde você havia deixado.
Entendia tudo como agressão ao seu método, como má vontade, como indisposição, como implicância.
Quanto mais encontrava oposição, mais faxinava, mais acentuava o seu rigor, a sua disciplina.
Não se permitia momento algum de distração para não dar o exemplo. Vivia tenso, angustiado, apressado, revisando sua lista mental de limpeza.
As discussões sempre giravam em torno de quem realizava mais pelo lar, em torno de quem realizava menos, numa disputa desleal de tarefas.
Acreditava que a sua companhia tinha um problema, um defeito, um transtorno, jurava que ela dependia de correção, de reeducação, de um ajuste de personalidade, para se mostrar mais atenta. Nunca admitiu a possibilidade de ela ser naturalmente daquele jeito.
Você se rebelava contra os rastros da pessoa. Como se pretendesse morar sozinho. Como se pretendesse ser casado com você mesmo.
Não cogitou que você gostava de consertar a arruaça dos caminhos, gostava de se ver útil, gostava de receber ocupações. Virava um herói dos problemas que criava.
Até que o adeus, na falta do presente, devolveu o passado.
É só perder a pessoa que agora sente dificuldade para arrumar o ambiente. Não deseja alterar nem um pouquinho a desordem. Dói refazer o que foi desfeito.
Pela primeira vez, percebe que aquilo que tinha era vida, que aquela bagunça era vida.
A saudade é um amor que vem atrasado. Um amor que acorda tarde demais. Um amor por tudo o que você já odiou um dia.
A saudade é finalmente não querer mudar o outro.