A vida me deu a coincidência de duas das mais importantes mulheres da minha história fazerem aniversário quase juntas, piscianas serpeando no oceano da gratidão.
A comemoração da minha esposa Beatriz é no domingo (25), a da minha irmã Carla é na segunda-feira (26).
Beatriz é Lealdade. Nunca tinha experimentado uma cumplicidade tão tocante. Eu não preciso pedir para ela guardar segredo quando relato uma confidência. A confiança é inata, automática.
Ela possui uma virtude rara: o dom do discernimento, de escolher o que pode ser passado adiante e o que deve permanecer entre nós. Não preciso temer vazamento de dados do meu coração.
Sendo mineira, ela não conta aos outros as novidades felizes para não gerar inveja, e tampouco conta as nossas maiores dores para não gerar pena. Em ambos os casos, é túmulo que me ressuscita e me põe a acreditar na eternidade do amor.
Às vezes, ela chefia um complô com os meus melhores amigos, Zé e Corso, para que eu cuide mais da minha saúde. Como a causa é nobre, eu lhe perdoo.
Ela me ama mesmo, porque quer que eu viva mais. Poderia ser uma viúva linda, jovem, inteligente, rica e sem o reboque de me aguentar, mas permanece escolhendo o meu ronco e a minha mania de limpeza. O amor é algo incompreensível.
Nossas implicâncias são divertidas, a ponto de ela conseguir a proeza de eu me desculpar pela minha chatice. Nunca admiti isso antes. Só ela arrancou do meu orgulho estas palavras difíceis:
— Desculpa, estava chato naquele dia.
Ela tira proveito da minha franqueza:
— Somente naquele dia?
Beatriz é culta. Lê cinco jornais, escuta podcasts enquanto dirige, usa as suas folgas da advocacia para se informar. Odeia os livros inacabados na cabeceira.
Assim como flerta com a literatura, a arte e a moda, ela me impressiona porque conhece de cor todas as letras de música imagináveis. Não sei quantas reencarnações ela já teve. Pode tocar samba, que ela sabe. Pode vir pagode, que ela sabe. Pode baixar funk, que ela sabe. Pode ser rock, que ela sabe. Parece que cursou uma universidade cancioneira à parte.
Já me arrebatou no início do relacionamento quando mostrou, de modo inesperado, que dança frevo, lambada, tango.
Não duvido que seja uma agente secreta de Deus em meu destino. Eu a amo por tudo o que conheço dela, e por tudo o que desconheço dela — vou me surpreender ao longo do tempo.
Já Carla é a Liberdade em pessoa. Jamais se aprisiona em uma tese ou teoria. Pensa fora da caixa, procurando as brechas que ninguém viu.
Ela tem aquela liberdade que advém da autenticidade: de ser, de se emocionar, de evoluir.
Não esquece o passado, não mente sobre o futuro, não finge em nenhum instante do presente.
Contagiou-me com a sua imensidão: foi a que organizou a minha primeira festa aos amigos na adolescência, foi a que me ensinou a dirigir, foi a que me incentivou a falar em público.
Se voei longe do medo e da retração, ela soprou os meus olhos.
Talvez ela protagonize o caso mais emblemático de amor da humanidade: o da Liberdade com a Justiça. Atuando como procuradora de Justiça do estado, não cansa de defender o que é ético.
Nasci irmão dela, e ainda fui escolhido por ela como seu irmão. São dois partos. O fim não nos assusta. O que a morte pode fazer diante de dois nascimentos?
Nada, coisa alguma. Ser irmão de sangue não é garantia de proximidade. Opta-se pela irmandade por merecimento, por afinidade.
A Lealdade e a Liberdade, na forma de duas mulheres, glorificam a minha existência.