Os atletas que praticam MMA exibem uma sequela estética, uma característica de tantos combates, que impressiona quem não é adepto do esporte: as famosas orelhas de couve-flor. Resultam dos golpes sofridos ou de permanecer com a cabeça prensada contra o chão por muito tempo.
O trauma contínuo no ringue molda a cartilagem e modifica os traços. De acordo com o vocabulário médico, a doença se denomina pericondrite.
Eu fiquei com medo de que a paternidade me deixasse assim. Porque meus filhos tinham a mania de dormir no colo segurando a minha orelha.
Não eram adeptos ao bico para adormecer, ou a um cueiro predileto, ou à mamadeira. Somente se entregavam quando puxavam o meu lóbulo.
Parecia que eu caminhava com um prendedor, um tampão.
Mariana e Vicente gostavam da minha orelha. Servia de maçaneta dos seus sonhos. De corrimão do meu rosto.
Fazê-los dormir significava sempre embalá-los de um lado para o outro, pelos corredores da casa, ostentando um estranho brinco.
Na verdade, representava um artifício de controle da parte deles, uma referência para continuarem no colo e não serem postos no berço. Encontraram um jeito de me pôr a trabalhar mais.
Seguravam o ponto de apoio com seus dedinhos rechonchudos. Depois de horas e horas de cantigas de ninar, eu sentia as orelhas fervendo.
Mariana padeceu com o meu ritmo. Eu me mostrava agitado, tenso, precipitado aos 20 anos.
Pai amador, eu mais a chacoalhava do que a acalmava. Mais dançava forró com ela do que a aninhava. Lembrava um liquidificador, uma britadeira. Pensava que conquistaria o repouso com o esforço. Talvez ela pegasse na minha orelha para não cair do cavalo selvagem, do touro bravo, na base do “segura, peão”. Minha orelha funcionava como aquela alcinha de segurança do carro de que o caroneiro se vale diante de direção perigosa.
O primeiro filho sofre por ser a escola do segundo filho. Os traumas e os medos surgem sem trégua para o primogênito.
Já experiente, já sabedor dos meus erros de criação, aos 30 anos, eu me transformei na suavidade do acalanto para o Vicente. Virei uma chaleira, um vaporizador de ar, sem a pressa do quarto, sem a urgência de resolver a questão, demonstrando ter todo o tempo do mundo e transmitindo segurança e quietude.
Demorei a perceber que os bebês são radares da nossa ansiedade.
Dizem que, com o terceiro filho – o que não me aconteceu –, finalmente relaxamos e o soltamos no mundo. Deixamos de nos preocupar excessivamente. Ele até pena um pouco, pois se torna perigosamente livre, com a possibilidade de confundir confiança com desatenção.
O que posso garantir é que sou um pai de muitas lutas vencidas contra cólicas, febres e otites de meus filhos. Tenho o meu cinturão de ouro guardado.