Na Azenha, além de todos os cemitérios do bairro, foi criado mais um: o Olímpico Monumental. Um coliseu desprezado — dos leões da bola, acabou sendo entregue às moscas.
Eu ando de carro pelas suas adjacências e, mesmo sendo colorado, não entendo o descaso com aquele monumento do futebol, que só tem sido visitado por fiscais de saúde para acabar com focos da dengue.
Fico triste, arrebatado por um pessimismo incurável. Sinto que nada na vida é valorizado.
Olímpico deveria ser recuperado, deveria voltar a ser um estádio. Ele não é um prédio, mas a igreja mais antiga dos tricolores, um símbolo nostálgico de triunfos e alegrias coletivas. Ou, como esclareceu a leitora Lilian Dreyer, na nossa Carta ao Leitor, não se trata apenas de um imóvel, e sim de um ícone.
De 1954 a 2013, serviu de palco a taças e gols inesquecíveis, em ruidosas procissões pela avenida José de Alencar. O Velho Casarão ofereceu 1.766 jogos e 21 títulos ao longo dos seus 58 anos de atividade.
Ele é um personagem da nossa história, um dos mais célebres moradores da região central de Porto Alegre. Soma sozinho duas Libertadores, dois Brasileiros, quatro Copas do Brasil, uma Recopa Sul-Americana.
Já bombeou a cidade por várias madrugadas, lotando as avenidas Carlos Barbosa, Gastão Mazeron e as ruas Aurélio Py e Dona Cecília. Já recebeu mais de 98 mil pessoas na semifinal do Campeonato Brasileiro de 1981.
Suas arquibancadas de concreto, hoje mudas, hoje cobertas de musgo, heras e inços, desfiguradas pelo abandono, testemunharam a primeira Libertadores, na noite de 28 de julho de 1983, com a vitória do Grêmio sobre o Peñarol por 2 a 1.
Não há gremista que não lembre onde estava acomodado no estádio na hora dos gols de Caio e César. O título veio de um cruzamento do jovem ponta Renato.
Quem não testou ali a resistência cardíaca com o gol do meia Aílton nos minutos finais da decisão do Brasileirão com Portuguesa, no dia 15 de dezembro de 1996?
Da sua apoteose, mais de 62 mil torcedores viram Assis e Cuca fazerem o placar de 2 a 1 sobre Sport no dia 2 de setembro de 1989, conquistando o primeiro troféu da Copa do Brasil.
Do seu caldeirão, no dia 10 de agosto de 1994, o atacante Nildo marcou o gol da vitória sobre o Ceará, que garantiu o bicampeonato da Copa do Brasil para o Grêmio.
A fama da imortalidade partiu de seu tapete. A proximidade da torcida favorecia feitos impossíveis. No dia 26 de julho de 1995, no jogo de ida das quartas de final da Libertadores, o Tricolor goleou o então bicampeão brasileiro Palmeiras pelo inacreditável escore de 5 a 0. O centroavante Jardel, autor de hat trick, estava possuído naquele embate.
O que ninguém entende é que o próprio Olímpico, há onze anos desativado, não admite ser demolido. Ele lançou um feitiço para todos os envolvidos no negócio. Não chamaria de casa mal-assombrada, mas de palácio com a imunidade dos sonhos.
Os planos para sua implosão e criação de um condomínio de luxo não deram certo, devido a impasses entre o clube e a construtora OAS, uma vez que o estádio Olímpico foi utilizado como parte do pagamento da Arena, cujos valores, financiamento e gestão não se encontram finalizados. Até a OAS não existe mais, passou a se chamar Metha depois de recuperação judicial, na esteira do escândalo da Operação Lava-Jato.
Não é casualidade que não tenha ocorrido a troca de chaves. Toda tentativa para destruí-lo será boicotada pela bendição. É uma área tombada espiritualmente como patrimônio histórico de cada torcedor gremista.