No meu tempo de escola, redação era composição.
O nome bem mais bonito trazia um cativante mistério. Eu me sentia um músico dos vocábulos.
Na primeira série, acreditava que papel almaço correspondia a papel “amasso”. Eu me confundia na pronúncia. Demorei a ver a palavra escrita, na etiqueta da tabacaria. Fui analfabeto com a sua grafia até a terceira série.
Não dissertávamos de letra livre. Todos escreviam emendado.
Papel solteiro não tinha vez em cima da classe. As folhas de almaço vinham em duplas, casadas, sem a comodidade do caderno espiral para arrancar uma delas e recomeçar a jornada.
Não existia chance de rascunho, privilegiando-se a dobradinha entre lápis e borracha. Depois, passávamos a limpo o texto com caneta.
Não se podia dispersar a caligrafia para fora das linhas. Uma das regras sagradas consistia em respeitar as cercas de cima e de baixo. Já sofria de nervosismo ao imaginar a professora debruçada de lupa sobre a minha frase, para ver se restava um vazio arquitetônico entre os andares.
Testávamos a pontaria da letra. Mirávamos o alvo da ortografia. Empregávamos um caderno de caligrafia à parte para exaustivos treinos. Ocupávamos uma das linhas com maiúscula e a outra com minúscula, de modo alternado. Garranchos não recebiam piedade.
Havia um artesanato com as palavras, numa exclusiva dedicação manual. Com fôrmas do alfabeto, montávamos os títulos em cartazes para as apresentações em grupo. A cartela com molde se chamava gabarito. Preenchíamos o fundo das letras para a leitura do material ao longe e o deixávamos afixado na lousa. Encontrávamo-nos na casa de um colega no contraturno da escola para ensaiar o discurso e efetivar a amadora serigrafia na cartolina com canetinha.
Tornava-se mandamento imperioso cumprir o tamanho exato da tarefa. Nem mais, nem menos.
Existia também o normógrafo, uma régua com caracteres vazados para tingimento com nanquim. Facilitava sombreamentos e efeitos especiais.
Nos trabalhos individuais, o professor encomendava a composição a partir de temas universais sob o prisma da primeira pessoa: minha família, minha cidade, meu Estado, meu país, minha viagem inesquecível, meu animal preferido.
Tornava-se mandamento imperioso cumprir o tamanho exato da tarefa. Nem mais, nem menos. O rigor influenciava a nota. Exigiam-se 25 linhas. Não atingir a meta nos ocasionava um temido e inexplicável zero, não importando a qualidade do conteúdo e o quanto fora escrito. Às vezes, na falta de ideias, engordava a letra, espichava-a num efeito sanfona, desesperado para enganar os limites.
Ainda hoje, antes de entrar num debate, para descobrir se realmente possuo conhecimento de causa sobre uma determinada polêmica, eu me pergunto: dará 25 linhas?