Amor incondicional existe? Existe.
Mas não é o que imaginamos. Trata-se de uma situação excepcional da existência, quando a ordem natural da sucessão e da despedida é rompida.
Não é o que você sente com o filho vivo, é o que você continua sentindo pelo filho morto.
Só quem perdeu um filho sabe o que é amor incondicional. Mais ninguém. Até Deus provou essa terrível entrega, acima de todos os pesares, com a crucificação de Cristo.
Amor incondicional não é morrer no lugar do filho, é seguir vivendo com ele morto.
Porque é fácil amar o filho presente, difícil é amar o filho quando ele não está mais aqui. É amar o filho ausente pelo resto dos seus dias.
Amor incondicional é seguir vivendo pelo filho, por mais difícil que seja. Ajeitar aquela dor incessante e incurável para permanecer ativo no trabalho, para permanecer convivendo, para permanecer ouvindo o que não interessa (nada mais interessa), para permanecer sendo gentil com a família e amigos. É levar a dor para passear, levar a dor para suas viagens, levar a dor para as férias. A dor é uma bagagem permanente, usada inclusive dentro de casa. Às vezes, pesa excessivamente, mal se pode caminhar segurando a sua alça.
Amor incondicional é suportar a saudade sem abraçar a pessoa, sem beijar a pessoa, sem ouvir a sua voz, sem aconselhá-la ou orientá-la, sem recolher as suas roupas pelo chão, sem se surpreender com as mudanças de seu rosto ou com o acréscimo vertiginoso de altura, sem ter o direito de falar algo importante que aprendeu com a rotina.
É não permitir que a memória do filho morra quando todos já o esqueceram, depois de tanto tempo da despedida.
É rir de alguma história vivida junto para, em seguida, chorar porque ela não vai se repetir.
A gargalhada e a lágrima são agora amigas. Uma consola a outra. Acontecem no mesmo instante, não estão mais separadas como antes. As paredes entre elas ruíram, desaparecendo a vedação entre o bom e o ruim, entre a felicidade e a tristeza.
Amor incondicional não é morrer no lugar do filho, é seguir vivendo com ele morto.
Amor incondicional é o maior sofrimento que há na alma. Ocupa grande parte das sinapses. O sangue das artérias corre para um nome que sequer é pronunciado.
É uma loucura carente da mais absoluta normalidade. É uma cama nunca desarrumada. É uma cadeira estacionada para sempre por baixo da mesa. É uma roupa pendurada no cabide com cheiro de guardada.
Não há como demonstrá-lo por alguém que se encontra perto, acessível às mãos e aos olhos. Exige um grau de sacrifício épico para não desistir do cotidiano, apesar de subtraída uma das mais inspiradoras razões de viver.
É você não deixar de rezar uma noite por aquele fruto arrancado, que nasceu do seu coração.
É subir na árvore da solidão enquanto a residência dorme, para lembrar-se do galho, acariciar as folhagens de onde o fruto surgiu.
Amor incondicional não é fazer tudo pelo filho vivo, é ainda fazer tudo pelo filho mesmo ele estando morto.