Viagem marcante é quando você conhece uma cidade e conclui: eu poderia viver tranquilamente por aqui. Passa a se fantasiar alugando um apartamento, conversando com vizinhos, frequentando o comércio, passeando com a família. Manda postais imaginários para si festejando a descoberta. Fotografa cada movimento na rua com assombro delicioso. Bicicletas, gatos, placas, letreiros, solitários em bancos de pedra capturam o seu olhar amoroso.
Quem já não viveu essa sensação? Seja na praia, seja na serra, seja no campo: é um lugar em que você se sente à vontade e começa a sonhar com um segundo domicílio, um endereço hipotético, um multiverso. É como se fosse cativado por um jeito de ser, que desperta a sua melhor versão, que transmite paz interior.
Cidades são como pessoas. Não tem como amar duas ao mesmo tempo, mas você pode se apaixonar por várias ao longo da existência.
Não que vá morar nelas de verdade, tomado pela passionalidade do frete ou do desapego. É uma mudança interior maior do que a física.
Aconteceu um match daquela geografia com a sua espiritualidade. Encontra uma atmosfera tranquila de pertencimento. Nem se vê como turista, não se interessa em colecionar pontos históricos, deseja experimentar a normalidade de seus moradores. Pretende descobrir quais são os restaurantes, os bares, as praças de que seus habitantes comuns gostam.
Contrário à ostentação das redes sociais, é arrebatado pela simplicidade, pelo anonimato, pela cultura do barato e bom.
Tanto que não abre mão de achar algum cantinho que possa chamar de seu. Um estabelecimento simpático e discreto, de tabuleta prosaica, no meio de seu caminho do hotel ou da pousada, que vai se tornando parada obrigatória de suas andanças.
Sem perceber, estabelece uma continuidade de lar dentro de uma estada provisória, cria uma rotina diária em sua transição.
Está a passeio, mas já definiu um esconderijo para seus momentos prediletos, em que aparece consecutivamente, dia após dia.
Talvez seja um café, talvez seja uma lancheria. Bate o ponto ali até o fim da viagem. É capaz de escolher a mesma mesa na janela ou o mesmo banco no balcão. Não troca de assento. Conhecerá o garçom ou atendente pelo nome. Pedirá o de sempre com honrarias de um cliente antigo. Deixará uma gorjeta para ser lembrado com facilidade.
Há viajantes que demoram para se enraizar, e outros, como eu, que são como plantas que pegam de galho. Faço novas mudas a partir do empréstimo de folhas, gravetos e ramos. Sou como o guaco, o alecrim, o tomilho.
Do pé de uma cartografia estranha, invento intimidade, invento minha Porto Alegre onde quer que eu esteja de passagem.