Nossa memória nacional dura somente seis meses. Acredito firmemente que tudo de pior que acontece no país é esquecido no período de um semestre.
A amnésia nos cobre de injustiça. Em janeiro, testemunhamos o genocídio indígena, com registros assustadores de crianças yanomami adoecidas em Roraima, deitadas na rede com todas as costelas aparecendo, consumidas pela verminose e desidratação. Cerca de 10.193 menores estavam desassistidos. 52% dessas crianças se mostravam desnutridas, índice que em comunidades de difícil acesso chegava a 80%.
Agora a comiseração venceu sua data de validade e é aprovado na Câmara Federal o projeto de marco temporal, o que significa na prática a ausência de defesa dos povos originários contra ataques dos garimpeiros e exploração ilegal das madeireiras.
O projeto determina que as etnias só poderão reivindicar a demarcação de terras nas quais já viviam antes da Constituição de 1988. Ignora monstruosamente a desigualdade, a penúria e a violação histórica das demarcações.
Centenas de comunidades foram expulsas de suas terras, seja por disputas com latifundiários ou grileiros, seja por omissão do governo; seja por catástrofes naturais, seja por doenças como malária que proliferaram por falta de insumos.
Ou seja, neutralizaremos qualquer revisão justa diante de expropriações indevidas. Não teremos como voltar atrás para repor áreas ocupadas ilegalmente.
Isso, de modo nenhum, garante a sobrevivência indígena. É o caminho da sua extinção. Impede que a política de demarcação faça a correção dos seus erros ao longo de mais de três décadas.
Não haverá mais o ressarcimento de reservas, apenas o controle das que já existiam (e que não foram dizimadas) a partir da data da Constituição. Se parte foi tomada ou roubada antes, não terá quem possa recuperá-la.
Existem 300 processos de demarcação pendentes que vão prescrever, em sua maioria, em nome da segurança jurídica nacional (com o intuito de conter uma expansão ilimitada para áreas já incorporadas ao mercado imobiliário ou que se encontram em usufruto de agricultores).
É uma anistia descarada aos agressores, já que muitas comunidades foram impedidas de permanecer em seus territórios.
Repetimos 1979 em 2023, estendendo a isenção dos crimes políticos para os ambientais. Como no fim do regime militar, qualquer contravenção contra os povos originários antes de 1988 será esquecida.
Houve votos favoráveis de 283 deputados, que, inflamados pela cobiça do agronegócio, temiam que os 14% da área indígena atual protegida no Brasil dobrassem de tamanho por direito.
Não enlouqueceram, não se posicionaram de costas para uma reeleição futura, sabem que seus eleitores têm memória curta.
Daqui a seis meses, todo mundo esquece.
Ou é esperar o corretivo da nossa deslembrança geral pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com forte tendência a decidir contrariamente ao projeto aprovado pela Câmara, aumentando ainda mais a briga entre os Poderes.