Em 2011, eu estava realizando uma série de reportagens para ZH sobre personagens fascinantes do interior do Estado.
Visitei Carazinho para conhecer o ex-bombeiro e agora taxidermista Ubirajara Lopes. Ele já tinha empalhado cerca de 20 mil animais, e colaborava com o Ibama e com o Núcleo de Ciências Naturais do Museu Olívio Otto.
A maior parte das encomendas vinha a ser de cachorros a pedido de seus donos, que, inconformados com a perda recente, buscavam manter a estátua de resina do parceiro de estimação pela casa.
Ele ainda embalsamava gato, hamster e passarinho. Na época, atendia quinze pedidos por mês. O tamanho do bicho influenciava o preço. Um cavalo saía por R$ 4 mil.
Fiquei um tanto atordoado com a penumbra bruxuleante da sua oficina, cheia de múmias de mascotes, com o último olhar da vida eternizado para sempre a partir de técnicas milenares do Antigo Egito.
Para afugentar o medo da morte, inventei de acariciar ao acaso um coelho branco na estante. Ainda pensei: “será que ele está sentindo o meu carinho no além?”.
Não deveria ter feito temerário gesto. Ubirajara viu e se entusiasmou com o meu aparente apego:
— Pode levar!
Tentei dissuadi-lo, mas ele insistiu com tamanha intensidade que abandonei a entrevista com um coelho empalhado no colo. E ainda era um coelho rindo, meio macabro para uma feição de despedida.
Coloquei no porta-malas e parti de volta com a equipe do jornal para Porto Alegre.
No meio do caminho, fomos parados por uma blitz da Polícia Federal. Precisávamos descer para a revista pessoal e do veículo. Como não tínhamos nada de errado, descemos com presteza e rapidez. Cumprimentamos a dupla que nos abordou na maior camaradagem e questionamos, por instinto jornalístico, qual era o nome da operação.
Um dos policiais explicou:
— Proteção de animais!
Eu gelei quando ele pediu para abrir o porta-malas.
Lá estava o coelho rindo com a boca escancarada de Curinga para a Polícia Federal.
— O que é isso? — perguntou o policial.
Foi constrangedor explicar o estranho presente. Às vezes, a própria realidade é inverossímil.
Dei um nome na hora:
— É o Nico, meu coelho empalhado.
Ele questionou a sua morte.
— Morreu de quê?
Criei um fim absurdo também de improviso:
— Engasgado com um pepino.
— Tadinho — ele respondeu e nos permitiu ir.
O coelho está aqui na minha estante. Minha esposa não é muito fã dele. O engraçado é que as pessoas anotam meu e-mail, que consta no perfil publicado no jornal sobre Ubirajara, como se fosse o próprio contato dele. Até hoje recebo mensagens de desavisados: “quanto custa para empalhar meu cachorro?”.
Já tenho uma segunda profissão em vista.