Não conheço povo que goste tanto de buzinar quanto o porto-alegrense. É demais. Não é empregada como mera e contida advertência, mas para qualquer situação banal: xingar quem está lento à frente, reclamar do tempo no trânsito, protestar contra o malandro tentando uma vaga pelo acostamento, brigar pela preferência na hora de estacionar.
A buzina é o nosso grito da ansiedade, o nosso grito da pressa, o nosso grito de Edvard Munch.
Parece que vivemos num racha permanente, não permitindo que ninguém entre em nossa frente.
Quando o motorista não sabe o que fazer, aperta a buzina. O que torna o nosso trânsito insuportável pela poluição sonora. O que transforma o nosso engarrafamento em ainda mais irritante, precipitando confrontos e perseguições.
Se você se atrasa um pouquinho para partir no sinal verde, já toma uma reprimenda do veículo atrás. Mesmo que esteja na ladeira monumental da Lucas de Oliveira ou da Mostardeiro, com freio de mão puxado, tentando equilibrar a embreagem com o pedal da velocidade. A cobrança é imediata, de um carro automático. Não receberá nenhum desconto, se chove ou venta, se é inverno rigoroso ou verão escaldante.
Nem invente de beijar a esposa durante a pausa do semáforo. Pode morder os lábios dela pelo susto e pelo solavanco.
Não haverá paz sequer para selinhos. Romances são tratados com escárnio pelo tráfego.
Não contará com tempo de trocar a música no aplicativo ou consultar o celular.
Porto Alegre não encontrou ainda a civilização evoluída do silêncio e do bom senso.
O sinal sonoro poderia ser tratado com mais moderação, com mais comedimento, com mais discrição em nosso sistema viário.
Nunca temos consciência do que está acontecendo no interior do automóvel alheio. O pai talvez esteja arrumando o cinto solto da cadeirinha do seu bebê. Uma psiquiatra talvez esteja socorrendo um paciente com crise de pânico ao telefone. Jamais pensamos que vem ocorrendo uma urgência que retardou a súbita arrancada.
O porto-alegrense tampouco controla o seu ímpeto.
O estrago seria menor se acionasse a buzina uma única vez, mas não se aguenta, já emenda uma sequência inteira de acordes surdos e retumbantes. Entra num surto insaciável, como se fosse uma corneta, como se fosse uma charanga de uma torcida de futebol.
É uma campainha do terror como se ninguém estivesse dentro do carro vizinho.
No Código de Trânsito Brasileiro (CTB), a buzina tem um caráter eminentemente preventivo, para evitar acidentes ou para alertar possível imprudência de pedestre ou condutor.
Ou seja, se houvesse fiscalização severa, mais da metade das nossas carteiras de habilitação estaria cassada por acumular a multa pela infração (R$ 88,38) e os seus respectivos três pontos no histórico.
Deveria existir no sistema automotivo um limite diário de uso da buzina, com a possibilidade de três toques breves no máximo. Assim, para não gastar a sua cota à toa, você pensaria muito antes de usá-la.