É quase impossível recordar a primeira vez que você sentiu saudade na vida. Saudade mesmo, não medo de ser abandonado, não pânico de ser deixado para trás.
Saudade é ter consciência de que a pessoa voltará, de que precisa se virar sozinho enquanto isso.
Na minha infância, uma das saudades mais marcantes foi a que tive do meu pai quando ele experimentou um trimestre em Portugal fazendo um curso.
Toda manhã, eu ia ao seu armário e mexia nas suas roupas. Montava o meu pai na cama de casal. Como se eu escolhesse o seu figurino para que saísse ao trabalho, mesmo ele não estando ali.
Por ordem, colocava a boina, a camisa de linho, a gravata sobre a camisa, a calça, o cinto, as meias e os sapatos.
Era um quebra-cabeça em tamanho real.
Conversava longamente com seu traje. Perguntava e respondia por minha conta. Não sei se eu imitava a sua voz nas respostas. Possivelmente sim.
Um dia minha mãe me pegou falando com os tecidos, em meu teatro da ausência.
— O que você está fazendo, Fabrício?
Eu menti, envergonhado, já antevendo que poderia ser considerado louco.
— Nada, passando roupa. Brincando de passar roupa.
Na verdade, eu brincava de amar, fantasiando diálogos entre pai e filho.
Lembrei-me dessa cena porque conservo a teoria de que saudade tem prazo de validade. Não pode ultrapassar três meses, senão vira outra coisa: ranço, ressentimento, mágoa.
Qualquer um aguenta (e deve aguentar) um tempo longe, uma trégua de interação física, fundamental inclusive para gerar independência e autonomia, para não vincular a ternura a um estado adoecido de simbiose.
Saudade boa é saudade curta.
Saudade longa, assim como o leite, termina azedando.
Porque saudade que não é renovada com a presença implica torturar a esperança de quem fica.
Porque saudade que não é renovada com a presença implica torturar a esperança de quem fica.
Quando extrapolada, aquela falta feliz e comovente é capaz de se tornar cobrança.
O carinho pelos pertences e objetos dentro de casa se transforma em ofensa — nos enxergaremos tolos e burros por confiar cegamente em alguém e esperar à toa.
Até três meses, você suspira na janela. Após esse período, você xinga a porta.
Até três meses, você exalta o viajante. Após esse período, você apenas enxerga ingratidão.
Lamentaremos nossa idiotice por termos feito uma vigília em vão, por termos esquecido de viver, por termos acreditado piamente que o retorno seria breve.
É o desencantamento pelas promessas e juras. A confiança baqueia: já não queremos que o outro volte, já desejamos que nunca mais apareça em nossa frente, feridos pelo sofrimento que ele desencadeou.