Quando a esmola é demais, o santo desconfia.
O provérbio tem um forro de verdade.
Quando o homem não é gentil e, mais do que de repente, surge com flores, com chocolate, com agrados para a esposa, significa que ele pisou na bola.
Chuva de elogios é dilúvio na certa. Buquê de 36 rosas colombianas tem também mais espinhos.
Ninguém muda o comportamento de uma hora para a outra, sem transição e terapia, sem evolução gradual, num passe de mágica.
Somente são românticos quando em perigo moral, criando distrações para as suas mentiras
Não estou me referindo aos românticos-raiz, constantes, mas aos românticos-Nutella, ocasionais.
Se o sujeito não era sentimental e aparece todo fofo, todo carinhoso, todo falante, todo grudento, concordando com tudo, querendo sair a sós para um jantar à luz de velas ou viajar no final de semana para um lugar paradisíaco, fez alguma besteira.
Antevemos o tamanho dessa besteira pelo valor dos mimos. Quanto mais caro o presente, maior o estrago que ele deseja esconder.
Joias milionárias, então, podem encobrir infidelidade com gravidez. Pense no pior, e ainda será o trailer da omissão.
A princípio, o que parece generosidade é alguém pagando os seus pecados — e pecados caríssimos, com poder de destruir o futuro do romance.
Da inércia, os suspeitos partem para uma hipermobilidade afetiva, não deixando espaço para incertezas. Enchem a sua parceira de surpresas em sequência, como que tocados pelo milagre da transmudação.
De vinagre genérico, viram vinhos de safra rara. Tudo o que não realizaram de cavalheirismo e cuidado em uma vida resolvem fazer em uma semana. Nem Juscelino, com a criação de Brasília e seu lema de crescimento de "50 anos em cinco", seria capaz de executar um plano de metas com tamanha celeridade e competência.
Não discutem, não brigam, suspendem o "não", aceitam por impulso o que não é do seu feitio, festejam a sogra e os jantares de família, afastam-se inexplicavelmente do vício do celular, abraçam os deveres de casa dos filhos.
Tornam-se os homens certos e ideais, infelizmente, pelos motivos errados, e talvez tarde demais. Percebem que não serão perdoados e correm contra o tempo para conseguir atenuantes e tapar a precariedade de suas decisões com um relampejante conto de fadas.
Somente são românticos quando em perigo moral, criando distrações para as suas mentiras. Somente são românticos com culpa no cartório, assinatura autenticada várias vezes na deslealdade e já contando com testemunhas de suas traições.
Tentam enfeitar e perfumar a realidade para ocultar uma falha grave de fidelidade.
É a força das palavras de Shakespeare diante da fraqueza humana. Excesso de romantismo inesperado escancara que há algo de podre no reino da Dinamarca.