Ele ficou sabendo, por anúncio fúnebre no jornal, que seu antigo chefe faleceu. Avisou que chegaria atrasado no serviço, colocou seu terno escuro e partiu para o cemitério.
Todo mundo fica atrapalhado com a mudança abrupta de rotina. Ainda mais envolvendo saudade e morte de um conhecido. Parece que você não tem tempo de tomar café, ou de se pentear, ou de escovar os dentes, ou de se olhar no espelho. Tudo se torna irrelevante. Você sai de casa com a sensação de que se esqueceu de executar uma tarefa importante do seu tradicional despertar, de que pulou um degrau dos seus rituais de conforto e de segurança.
No saguão de entrada, em que ele já visualizava a venda de flores para os túmulos, questionou a um funcionário do local, de uniforme e crachá, onde estava sendo velada tal pessoa.
— Sala 12!
Havia um tumulto no espaço, uma dificuldade de locomoção pela sala apinhada, com gente se acotovelando para se aproximar do caixão. A primeira certeza que lhe veio à cabeça: Juvenal era amado. A despedida do seu finado empregador tinha honras comunitárias e lágrimas coletivas.
Apesar do transbordamento do lugar, não conhecia ninguém ao redor. Lamentou que nenhum colega advogado passou por lá. Restava apenas ele como representante de uma fase da vida e do tempo do escritório.
Ele também estranhou a cerimônia religiosa. Um senhor grisalho, paramentado, fazia homenagem e reverência ao falecido com um cajado. Ele desconhecia a religião de Juvenal. Tratava-se de um ritual diferente e atípico.
Foi formado um constrangedor círculo de mãos dadas, e cada um dos presentes segurava o cajado sagrado por alguns minutos e dizia lembranças de pesar ou de gratidão pelo morto.
Logo chegou sua vez. Ele apenas seguiu o formato dos discursos que o antecederam.
— Ele foi um grande homem, um homem marcante, um homem de opiniões fortes, um homem de caráter, que me inspirou com o seu exemplo a sempre trilhar o caminho do bem.
Nesse momento, prevaleceu um mal-estar no recinto, o silêncio cresceu em burburinho, o povo inteiro se entreolhou espantado.
O ancião tomou o cajado de volta e perguntou:
— Está falando de quem?
— Do morto — ele respondeu, absolutamente atemorizado.
— É uma morta, senhor: Dona Lívia do orfanato Luz do Luar.
Dando-se conta de que participava da celebração do morto errado, ele picou a mula. Nem procurou o velório de Juvenal, partiu do princípio de que deveria ter escutado suas palavras onde estivesse.