A morte é triste, mas nem por isso precisa ser feia.
Dei uma palestra para o Sindicato dos Cemitérios e Crematórios Particulares do Brasil, em Foz do Iguaçu (PR), na última semana.
Percebo cada vez mais o quanto o lugar de descanso dos nossos entes queridos não é mais um espaço lúgubre, temido e mal-assombrado como antes, mas de convivência, de passeio e de reflexão.
Cemitérios viraram jardins, parques, praças, áreas verdes imensas e raras na cartografia esgoelada das capitais.
Serão cada vez mais frequentados, muito além do Dia de Finados, despertando a vontade de permanecer no ambiente e extrapolar o tempo cronometrado da reza.
Crianças estarão brincando e correndo pelos gramados, famílias estarão mateando e conversando em lounges. Não existirá mais aquela cultura da privação. Passaremos a nos permitir, pouco a pouco, a finitude, exercendo a saudade e agradecendo a presença de quem partiu.
Eu julgava que esses locais de beleza exuberante eram disfarces e eufemismos para enfeitar o fim trágico de uma vida, para dissimular a angústia e o medo dos enlutados, numa estratégia de negação. Hoje entendo que eles propõem experiências de bem-estar em torno de um nascimento, contra a impunidade do esquecimento.
Os velórios não são mais uma ciranda de choros e desabafos, de lamúria e pesar. Eu testemunhei o inesquecível enterro do pintor Luiz Gonzaga Cony no Memorial da Colina, em Cachoeirinha, onde os presentes desfrutaram do direito de colorir o caixão e prestar um tributo. Isso mesmo! Havia tintas e pincéis numa paleta à disposição de cada familiar e amigo na entrada da capela. Era possível colocar a sua mão na madeira ou fazer algum desenho de homenagem, como crianças em trabalho escolar. Netos procuraram o último colo do avô, filhos devolveram um pouco do brilho do olhar paterno na superfície envernizada.
A sala escura de cruz e coroas de flores ficou enfeitiçada de um arco-íris súbito. O artista dormia num berço de luz, numa tela da eternidade, num quadro com frases e símbolos marcantes deixados pelos seus afetos. A cerimônia de adeus será lembrada por todos como uma aquarela.
Nesse intento de ressignificação da morte, está prevista uma revolução na identificação dos falecidos nas lápides. Sempre que eu passeava pelos túmulos, curioso como sou, tentava imaginar quem era cada finado, como tinha sido a sua vivência, mas só contava com a foto ovalada, o nome e as datas de nascimento e de óbito. Não havia dados para definir felicidade, sucesso, profissão, proezas. Ou lamentava-se a existência curta, ou festejava-se a longevidade.
Eu suspirava fantasiando tudo o que não sabia a respeito da passagem daquela figura por aqui, desconhecendo o que tinha acontecido de verdade.
Agora, a ideia é colocar um QR code na plaquinha de identificação. A partir da câmera do celular, acessaremos a biografia da pessoa, com um acervo digital reunindo vídeos, fotografias e histórico de suas principais realizações.
Sentiremos o peso da vida, em vez do vazio da morte.