Quando criança, meu sonho era ser invisível. Desaparecer para mexer nas golas das pessoas, para trocar os quadros de lugar, para criar tumulto aos outros com sinais extraordinários, para ouvir as conversas proibidas a meu respeito. Ninguém mais falaria mal de mim pelas costas, estaria ali como um vento ouvinte.
Mas não queria morrer para atingir tal poder. Não teria graça não poder voltar e comemorar o feito.
O dia perfeito para a demonstração da invisibilidade era na quarta-feira, depois do almoço, porque meu pai sempre recebia o poeta Mario Quintana. Encomendava uma caixinha de quindins para homenagear o amigo. Quintana ficava na sala tomando cafezinho, fumando com seus suspiros tristes e se alegrando com os doces amarelos.
Contaria com uma testemunha de fora na hora de provar minha capacidade sobrenatural. Família não é muito confiável para comprovações científicas.
Realizei, então, uma série de experimentos com pomadas, com o objetivo de sumir magicamente.
Eu me pelei no quarto e inicialmente me besuntei de Caladryl. Porém, como resultado, eu me tornei ainda mais exposto, um boto rosa. Qualquer um me enxergaria a distância. Inventei de colocar, em seguida, Hipoglós, e virei uma múmia.
Até que me lembrei de uma advertência materna: não mexer no armarinho do seu banheiro. Lá existia uma pomadinha francesa para pele.
— É o olho da cara!
Se a mãe me censurava, só podia ser boa e miraculosa. Se dizia que era o olho da cara, devia ter alguma ligação com a invisibilidade.
Busquei o produto e, sem compaixão nenhuma, apertei toda a bisnaga. Saltou a pasta transparente de modo espiralado num único jato. Não sobrou resíduo algum para contar a história.
Espalhei pela minha pele, que começou a arder. A queimação, ora bolas, significava que estava alterando as minhas moléculas e me desintegrando.
Andei pelo corredor, completamente nu, para me exibir ao pai e Quintana e alcançar o veredito derradeiro. Dei uma volta, duas voltas de passarela ao redor da mesinha do centro e nada. Nem me olharam. Nem me viram. O olhar vazio deles me atravessava e não me encontrava.
Corri ao quarto para comemorar:
— Sou invisível! Sou invisível!
Jamais fiquei tão eufórico na vida. Comemorei o gol com soco no ar. Pena que a felicidade traz a ambição junto. Quis repetir a felicidade da transmudação, agora me submetendo ao teste mais difícil: o polichinelo.
Parei na frente dos dois e comecei a mexer as pernas e os braços freneticamente, igualzinho ao exercício de aquecimento nas aulas de educação física. Tudo balançava. Foi quando meu pai, sorrateiramente, puxou-me pelos cabelos (naquela época, eu tinha mullets) e me colocou de castigo. Fiquei mesmo invisível para o futebol com os amigos, para o videogame, para o armazém, para o sorvete e para o cinema durante dois meses, proibido de sair de casa.
Recordando o fato, já adulto, guardo a convicção de que funcionou na primeira vez e o efeito passou na segunda tentativa.