Quando adolescente, eu sempre andava com uma caneta Bic no bolso da camisa. Não era para escrever, mas para desenrolar ou rebobinar a fita cassete.
Não havia CDs, streaming, aplicativos, celular. O único jeito de montar trilhas sonoras consistia em gravar a programação das rádios.
Custava muito esforço. Significava passar madrugadas inteiras para localizar as músicas favoritas em tempo real.
Fazia-se plantão na frente do aparelho de som 3 em 1 (rádio, toca-discos e toca-fitas).
Turbinados por xícaras de café ou pelo pó do guaraná cerebral, esperávamos a família sair de cena para a montagem a sós, na nossa precária ilha de edição.
A tarefa exigia concentração absoluta. A habilidade estava em apertar e soltar rapidamente os botões REC e PLAY, eliminar os comerciais e organizar uma coletânea parecida com a continuidade das faixas de um LP.
A voz emocionada e gritada do locutor e a vinheta complicavam o trabalho. Apareciam do nada para identificar a estação. Já no finalzinho da canção, despontava o anúncio. A propaganda inesperada no meio do refrão arruinava o corte. Tínhamos que esperar o hit aparecer de novo, o que talvez só acontecesse na próxima noite.
Na época, não nos declarávamos com flores e cartão, caixa de bombons e ursinho de pelúcia. Preparávamos fita cassete para quem amávamos, gastando horas a fio de artesanato para formar uma coletânea de love songs.
Colocávamos apenas um breve lembrete, um comando emocional, no adesivo da frente e do verso: “para ouvir sem ninguém por perto”, ou “para pensar em nossos momentos juntos”, ou “escute antes de dormir”.
Nossas cartas de amor eram K7, trinta minutos de cada lado. Nossas cartas eram musicadas.
As baladas traduziam as nossas emoções mais secretas. As letras demonstravam o que não conseguíamos falar cara a cara.
Não se ousava dizer “eu te amo” na lata, por medo de receber um fora ou ser debochado pela turma de amigos.
O que dizíamos para quem gostávamos: “Fiz uma fita para você”.
Largávamos a caixinha nas mãos da pessoa e não olhávamos para trás. Solfávamos a confissão por indiretas e depois dissimulávamos em sala de aula. O destino é que decidia se iria rolar romance. Dependíamos da sorte de ela ouvir tudo, de curtir as mesmas canções, de se sentir traduzida pela escolha, de ter uma atração escondida na timidez.
Haveria relacionamento se recebêssemos uma resposta com outra fita cassete na semana seguinte, ampliando o repertório das declarações românticas.
Todo amor naquele tempo já começava com trilha sonora para a vida inteira.